No Brasil, em dezembro, coincidem: final do ano contábil e escolar, início das férias de verão, Natal, Hanukkah (e Bodhi Day, Gita Jayanti, solstício de inverno…) e Réveillon. Não à toa, é um período de incremento de depressões e suicídios, pois se trata de “tudo ao mesmo tempo agora”.
A ânsia pelas férias vem acompanhada do medo de que elas não correspondam a toda a expectativa e ao gasto investido. Ou, ainda, que o curto intervalo de uma rotina cada vez mais insana não seja suficiente para resgatar o entusiasmo de recomeçar… a mesma rotina insana.
Superada a ressaca alcoólica e alimentar dos encontros com colegas, amigos e familiares, resta o balanço de Réveillon. O ano que se encerra foi duro para todos que assumem que a vida não é apenas uma experiência individual. Para esses, as grandes realizações não diminuem a sensação de que “algo está fora da ordem”.
Há algumas décadas, o Ano-Novo tem trazido uma ansiedade não apenas do nosso, mas dos caminhos coletivos que traçamos enquanto espécie, seja pela deterioração da convivência humana, seja pela destruição da nossa relação com a natureza.
O capitalismo mostra seu retumbante fracasso em todas as esferas da vida em sociedade, e o que o mantém, mesmo vitimando 90% da população mundial, é a lógica do apostador. O mundo acaba —pelas guerras, pela derrocada ecológica, pelas sucessivas crises financeiras, pelo autoritarismo de Estado—, mas o cidadão comum segue apostando sua última ficha no jogo que faria dele, contra todas as evidências, passar de explorado a explorador.
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Os jovens têm questionado diretamente, ou por meio de seus sintomas, os ideais apontados pela geração anterior: de performance, de produtividade e de consumo. O que Davi Kopenawa chamou de queda do céu, situação que nós impingimos aos povos originários há 500 anos, tornou-se reconhecível principalmente para as novas gerações.
Cada um responde como quer ou como pode às ameaças de destruição iminente. Alguns dobram a aposta no capitalismo e, ao invés de assumirem que se trata de um sistema intrinsecamente injusto, violento e falido, apontam o dedo para migrantes, negros, pobres, mulheres… Mas se há algo de novo no ar, é o desprezo de uma parte considerável da população mundial pelos modelos hegemônicos de “sucesso”.
Pulhas como Trump, Musk, Bezos, Zuckerberg, entre outros, passam a ser um contra-ideal para os que desconfiam que terão que abrir mão da descendência em função de um sistema que exaure o futuro. Seja na recusa ética ao trabalho alienante, na recusa estética à obscenidade do luxo ou no tiro à queima-roupa contra um CEO da indústria da saúde, a indignação vai ganhando formas irregulares.
É importante que estejamos atentos a elas, uma vez que algumas —nem todas— deveriam servir de inspiração para os que já entenderam que a exclusão não é acidental, mas o nome do jogo.
O ano acaba e, a depender dos ideais nefastos que perseguimos como modelo, ele não se renovará. Mas existe gente sonhando, condição para qualquer chance de mudança. Ao pular as ondinhas da virada, faça seu pedido mais íntimo e legítimo, mas não se esqueça de que ele precisa de um mundo real para acontecer.
Eu, particularmente, prefiro acreditar no poeta quando diz que o novo sempre vem.
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noticia por : UOL