Uma das marcas do IBGE é o seu histórico de autonomia técnica. Mesmos em períodos de turbulência política no país, o instituto manteve uma estrutura relativamente blindada de interferências governamentais diretas. Essa credibilidade, no entanto, vem sendo seriamente ameaçada no governo Lula 3, graças a uma das figuras mais controversas (e radicais) das fileiras petistas: Marcio Pochmann.
Presidente do IBGE desde agosto de 2023, o economista gaúcho de 62 anos rapidamente mergulhou o órgão naquela que talvez seja a pior crise de sua trajetória de quase nove décadas. Com fama de autoritário, Pochmann é acusado de manter uma gestão centralizadora e de abrir pouco diálogo com os servidores de carreira.
Para piorar, ele conduziu, na surdina, a criação da Fundação IBGE+, uma entidade privada voltada à captação de recursos para complementar as atividades do instituto — e, em tese, torná-lo mais flexível do ponto de vista administrativo e financeiro.
A iniciativa, porém, recebeu duras críticas internas, por colocar em risco a independência do órgão e facilitar a contratação de aliados políticos de Pochmann. Ou seja: um prato cheio para um gestor que já havia sido questionado por aparelhar ideologicamente o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do qual foi presidente entre 2007 e 2012.
Apelidado de “IBGE Paralelo”, o projeto acabou sendo suspenso, mas o conflito de Marcio Pochmann com os funcionários do órgão parece estar longe de terminar.
Servidores protestam, e aparelho petista o coloca como “vítima”
Desde 2024, os servidores vem promovendo paralisações e divulgando cartas abertas contra o economista, em que denunciam sua administração “autoritária e desconectada da realidade”. Até que, em janeiro deste ano, dois experientes diretores de pesquisa pediram demissão, descontentes com os rumos do instituto.
No último dia 28, o senador da oposição Rogério Marinho (PL-RN) pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) o afastamento cautelar do presidente do IBGE. Entre os motivos alegados por Marinho está a preocupação com uma possível “contaminação” das pesquisas — especialmente dos dados do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor), principal indicador de inflação no Brasil.
Procurado pela imprensa para comentar o pedido de Marinho, Pochmann se limitou a dizer que “o papel do parlamento deve ser respeitado”. “Recebemos as críticas como sendo algo natural de um país democrático”, afirmou.
Sua defesa mais enfática foi terceirizada, e veio do aparelho petista. As frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, formadas pelos “movimentos sociais” subsidiados pelo Partido dos Trabalhadores, lançaram um manifesto de solidariedade ao economista, que o coloca como “vítima de ataques sofridos por funcionários oportunistas e pela imprensa irresponsável”.
Ainda segundo o texto, Marcio Pochmann “não é apenas uma figura técnico-política, mas um símbolo do pensamento social, da ciência e do conhecimento”.
A bancada do PT na Câmara também emitiu uma nota solidária ao presidente do IBGE. No comunicado, o grupo de parlamentares “repudia as tentativas de desestabilização de sua gestão à frente do órgão, processo deflagrado desde sua nomeação, em 2023”.
Economista ataca a classe média e o agronegócio
A verdade é que Marcio Pochmann vem sendo contestado mesmo antes de sua indicação. E não apenas devido à passagem considerada desastrosa pelo Ipea, onde promoveu um grande concurso com questões que favoreceram candidatos alinhados à ideologia de esquerda — e, assim, mudou radicalmente o perfil da instituição, antes considerado mais técnico.
Ligado a uma corrente de pensamento da Unicamp que defende um forte papel do Estado na economia, baseado no desenvolvimentismo e no intervencionismo, Pochmann faz parte de uma das vertentes mais dogmáticas e retrógradas da esquerda.
Ele rejeita as reformas trabalhistas e previdenciárias — que considera “imposições do neoliberalismo”. Aliás, o petista costuma dizer que a ascensão da classe média no Brasil foi exagerada, e o discurso em torno de seu crescimento é utilizado justamente para disseminar políticas neoliberais.
Resumindo: trata-se de uma “categoria manipulada pelo capitalismo”, como o economista define em seu livro “O Mito da Grande Classe Média” (2014).
Pochmann também é contrário à austeridade fiscal. Inclusive causou mal-estar dentro do governo quando condenou, sem citar nomes, declarações favoráveis ao corte de gastos públicos feitas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e da ministra do Planejamento, Simone Tebet.
“Insistir na continuidade do receituário neoliberal joga cada vez mais água no moinho nazifascista remodelado”, afirmou em sua conta no X.
Vale lembrar que a nomeação de Marcio Pochmann ao IBGE ocorreu sem o pleno conhecimento ou consentimento de Tebet, sua superiora direta. A relação entre os dois, segundo informações de bastidores, não passa de pragmática e cautelosa.
Outro alvo frequente de seus ataques é o agronegócio, que demoniza e chama de “obstáculo ao desenvolvimento nacional”. Para ele, o país deveria reduzir sua dependência das commodities agrícolas e, em contrapartida, forçar a reindustrialização via intervenção estatal.
O petista ainda propõe medidas que refletem uma mentalidade econômica presa ao século passado e à ideia marxista de opressão do operariado. O presidente do IBGE é a favor, por exemplo, da redução radical da jornada de trabalho sem proporcionalidade salarial.
E, mesmo diante de uma realidade marcada pela transformação digital, ele sugere tributar a automação para proteger empregos, fechando os olhos para a necessidade urgente de qualificação profissional voltada para o novo perfil do mercado.
Parceria com a China criou um novo (e perigoso) sistema de dados brasileiro
Como era de se esperar, Marcio Pochmann também é um confesso admirador da ditadura chinesa. Para ele, a China não deveria ser apenas uma parceira comercial do Brasil, mas também uma alternativa ideológica aos modelos ocidentais.
E é aí que mora o perigo. Por intermédio de Pochmann, o IBGE assinou um “memorando de entendimento” com o Instituto Nacional de Estatísticas da China (NBS), no sentido de aprofundar a parceria técnico-científica entre os dois países.
A cooperação resultou na criação do ainda pouco comentado Sistema Nacional de Geociência, Estatísticas e Dados (Singed), inspirado no modelo chinês de controle estatal.
Segundo o site do IBGE, o projeto “busca centralizar os dados produzidos pelos diferentes órgãos governamentais, sob a coordenação do instituto, disponibilizando em um mesmo local registros, cadastros e dados administrativos, devidamente pareados, homogeneizados e tratados para transformação destes em estatísticas”.
“A China tem um sistema de estatísticas que é muito mais avançado que o nosso”, justificou Pochmann, argumentando que “o centro dinâmico do mundo migrou para o Oriente”.
De acordo com o economista, o Singed surge para combater a “desinformação e obscurantismo” das big techs, cuja influência ele compara, de forma esdrúxula, ao poder da Igreja Católica durante a Idade Média.
Essa aproximação com Pequim causou desconfiança entre os técnicos do IBGE não alinhados ao petismo. Para eles, a China não é uma referência em integridade estatística. Ao contrário: o gigante asiático é conhecido por distorcer e manipular dados oficiais.
Outros críticos alertam que o Singed reflete uma visão autoritária e pouco transparente, e exigiria a aprovação do Congresso para sair do papel.
![Eleitor de Campinas rejeitou o radicalismo de Pochmann, apoiado por Lula em duas eleições municipais.](https://media.gazetadopovo.com.br/2025/02/07182726/pochmann-lula-660x372.jpg.webp)
Apoiado por Lula, Pochmann disputou três eleições, mas perdeu todas
Além do período no Ipea e o atual comando do IBGE, Marcio Pochmann foi secretário municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade em São Paulo (na gestão de Marta Suplicy), presidente do Instituto Lula e da Fundação Perseu Abramo (think tank petista mantido com recursos do fundo partidário).
Esta última função, exercida entre 2012 e 2020, consolidou sua imagem como intelectual do partido. Mais do que isso: comprovou que sua opinião é ouvida e considerada dentro do PT.
Pochmann, no entanto, não teve a mesma sorte quando tentou ingressar na vida pública por meio do voto democrático popular. Ele perdeu as três eleições que disputou: duas para a prefeitura de Campinas (2012 e 2016) e uma para deputado federal (2018).
A derrota mais dolorosa foi a de 2012. Estimulado pelo próprio Lula, o economista deixou a presidência do Ipea e até conseguiu formar uma aliança que o levou ao segundo turno. Mas, segundo os analistas, seu discurso ressentido contra os empresários e suas propostas de forte intervenção estatal afugentaram o eleitorado da cidade.
noticia por : Gazeta do Povo