Na época da visualização rápida de imagens nas telas dos smartphones, Ding Musa quer que a gente pare e se detenha por um tempo nas suas fotografias. Para isso, enquadra sua câmera em pedaços de paredes, num arame farpado engolido pela areia, num prédio espelhado refletindo as nuvens do céu, no paredão verde das árvores da mata atlântica.
“Não têm muita coisa para olhar, não é a foto do atleta pulando no momento certo”, ele afirma, sobre suas imagens desprovidas da presença humana ou de ações. Talvez seja justamente por isso que os poucos elementos que ele registra convidem o espectador a ver as obras com atenção.
Um apanhado da produção do artista paulistano nos últimos 15 anos, a maior parte composto por fotografias, pode ser visto até o fim de março na galeria Raquel Arnaud, em São Paulo, na exposição “Todo Olhar é Político”. Há também um vídeo, coisas do cotidiano como camisetas e panos de chão, e as recentes explorações de Musa em monotipia e gravura em metal.
O político do nome da mostra não é partidário nem panfletário, embora seja atual ao abordar, de maneira indireta, pautas da contemporaneidade, como por exemplo na imagem do arame farpado, fotografado na Palestina. Neste sentido, a série mais representativa da exposição é a de registros da densa vegetação da mata atlântica, na qual vemos a exuberância do bioma de ponta a ponta do quadro.
Mas não há, como se poderia esperar, fotos de queimadas ou de desmatamento. E, usando do recurso da longa exposição em fotografias clicadas em dias nublados, o artista quase esconde o verde da floresta —se olharmos os quadros a um ou dois passos de distância, vemos só uma tela que parece preta. É preciso se aproximar para efetivamente observar.
“É um tempo que a gente não se dá. O celular tem ajuste automático para a foto ficar boa, entre aspas, dentro de um padrão de visualização imediata. É uma regra de como produzir imagem para consumo rápido”, ele afirma. “Minhas imagens são meio que o oposto disso. Tem muito para você descobrir com seu próprio olhar.”
Outro tema da exposição é o grid, a malha quadriculada que serve tanto para organizar elementos gráficos num suporte quanto para construir espaços no mundo. Esta rede aparece explicitamente numa pintura em dourado e prateado em lona e também estampada numa camisa branca, onde foi enfeitada com desenhos feitos por visitantes que ora respeitam, ora ignoram a forma cartesiana.
Para Musa, o grid não precisa ser literal. Ele pode ser imaginado, como nas fotografias das paredes e na do prédio que reflete as nuvens. “O grid está em tudo o que a gente vê. É como a gente conhece o mundo”, diz o artista.
noticia por : UOL