Em apenas uma semana, criminosos cometeram três barbáries que chocaram o país. Vitor Medrado, que não reagiu ao roubo do seu celular, foi morto por dois bandidos em São Paulo. Natany Alves, de 20 anos, foi raptada ao sair da igreja e assassinada a pedradas em Quixeramobim, no Ceará. Gabriel Monteiro Almeida, de 27 anos, foi morto com três tiros ao ir atrás de assaltantes que roubaram a moto de um colega no Rio de Janeiro.
Os três casos são apenas um extrato de outros incontáveis latrocínios que ocorreram no período. Morrer de forma banal e brutal se tornou tão recorrente quanto a certeza de isso se repetirá na próxima esquina.
Mas como mudar esse cenário? Para especialistas, o ideal seria uma grande reforma, do Judiciário, para fechar brechas que facilitam a soltura de bandidos, somada a uma reformulação dos sistemas policial e penitenciário. Alcançar o cenário ideal, porém, é complexo.
Dentro do que é tangível para mudar esse aprisionamento constante da população e liberdade dos assassinos, dois pontos são básicos: lembrar que lugar de bandido é na cadeia e desburocratizar as polícias e o Judiciário. Com isso, o problema seria amenizado.
Veja a lista com cinco recomendações para reduzir a criminalidade no Brasil.
1. Reorganizar o sistema policial
Para Luciano Andreotti, presidente do Instituto Novas Ideias em Segurança Pública (NISP), descentralizar o atual modelo de polícia no Brasil, em que uma faz apenas a prevenção e a outra somente a investigação, agilizaria o trabalho e daria eficiência ao combate aos criminosos.
“Temos que adotar o ciclo completo, em que a Polícia Militar possa patrulhar e já apurar os crimes que se deparam, assim como a Guarda Civil Metropolitana (GCM) se transformar efetivamente numa Polícia Municipal, podendo registrar e apurar crimes de menor potencial ofensivo”, diz ele, que continua: “As polícias civis, que são menores, podem se concentrar em crimes complexos e largar os crimes cotidianos, deixando-os para a PM e Polícia Municipal”.
Outro ponto, segundo Andreotti, é empoderar a Polícia Penal para prevenção, investigação e inteligência, separar presos de personalidade antissocial (psicopatas) e permitir que os estados legislem em matéria penal já que cada localidade tem suas peculiaridades.
Caberia ainda, acrescenta ele, implementar a prisão perpétua, acabar com a progressão de regime, reduzir a maioridade penal e obrigar os criminosos a ressarcir as vítimas ou familiares das vítimas por meio de trabalho no sistema prisional.
2. Manter os criminosos atrás das grades
Um dos principais problemas do Brasil é que, não raro, quem comete crimes fica solto e a população se torna refém dos bandidos. A certeza da impunidade alimenta esse ciclo de violência.
Por exemplo: bandidos que cometem crimes considerados “menores”, como furto, estelionato e receptação de produtos roubados são soltos em seguida. Ou seja: se sua casa foi furtada hoje, amanhã o mesmo sujeito pode voltar. Seja por falta de espaço nas delegacias ou por afrouxamento da pena, nem todo condenado cumpre a pena atrás das grades.
No caso do ciclista em São Paulo, por exemplo, a responsável por financiar os roubos, Suedna Barbosa Carneiro, foi presa em março de 2022 pelo mesmo motivo: o fornecimento de armas para criminosos cometerem assaltos nas ruas. Ela chegou a ser condenada a 10 anos e seis meses de prisão em regime fechado. Em maio de 2024, obteve progressão para o regime aberto.
A Califórnia, nos Estados Unidos, havia aprovado há mais de 10 anos, a Proposition 47, que reduziu as punições para crimes de furtos em pequena escala e uso de drogas. A medida foi responsável por elevar o número de furtos, roubos e o abuso no uso de drogas no estado. Com isso, em novembro do ano passado, os californianos votaram, por uma maioria esmagadora, a favor da Proposition 36, que endureceu as punições para crimes contra a propriedade e a posse de drogas.
3. Reforçar a estrutura de combate ao crime
Aumentar quantitativo de policiais e reforçar o investimento em treinamento e na estrutura ajudaria a corrigir algumas falhas que hoje favorecem os bandidos. Num país que vive praticamente uma guerra contra o crime — que além de organizado é bem aparelhado — não dá para ficar sucateado.
O levantamento “Raio-X das Forças de Segurança Pública no Brasil, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mapeou o policiamento no país e mostra que houve redução no contingente de policiais na década entre 2013 e 2023. A quantidade de PMs encolheu 6,8%; a de policiais civis, 2%.
Andreotti, do Instituto Novas Ideias em Segurança Pública, acredita que uma saída é enxugar o Estado em áreas dispensáveis e multiplicar o número de policiais em todo o Brasil.
Outra regra que acaba favorecendo os bandidos é a Audiência de Custódia, lançada em 2015. No papel, a medida tinha como objetivo evitar prisões provisórias que se prolongavam de forma excessiva, por vezes punindo de forma indevida pessoas inocentes. Mas, na prática, ela tem ajudado criminosos a fazer novas vítimas.
Isso porque na audiência o juiz não discute o fato que levou à prisão e nem decide se a pessoa é culpada ou inocente. A decisão, em até 24 horas, é se a pessoa permanecerá presa ou será colocada em liberdade. Além disso, o critério para a manutenção da prisão é bastante específico. Depois da audiência haverá outras para tratar do caso.
Também na audiência será decidido se a pessoa poderá começar a responder ao processo presa ou em liberdade, com ou sem a imposição de algumas condições. Entre 50% e 60% dos presos acaba liberada, mesmo se tiverem sido pegos em flagrante e confessado o crime.
4. Modificar leis que atualmente jogam contra o cidadão
Não é só a aplicação da Lei que muitas vezes é confusa e deixa brechas. As regras mudam e, em alguns casos, jogam contra a vítima. Por exemplo: as pessoas não podem ser revistadas na rua se não houver indícios palpáveis de crime. Em 2022, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proibiu policiais de revistarem pessoas com base apenas na justificativa de que elas estavam em “atitude suspeita”.
No caso de Quixeramobim, um dos criminosos tinha uma condenação, fugiu da cadeia e circulava livremente pela cidade. Ou seja, mesmo que houvesse policiamento na rua onde a jovem foi raptada, os agentes só poderiam abordá-lo se ele estivesse claramente cometendo um crime ou prestes a fazê-lo.
Outra lei que não favorece o cidadão e dá margem para insegurança jurídica é que criminosos não começam a cumprir a pena após a condenação em primeira instância – e nem mesmo após a segunda instância. Só quando o caso é transitado em julgado, o que leva muitos anos.
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu um entendimento anterior da própria corte e determinou que o cumprimento da pena somente pode ter início após o fim de todos os recursos.
Na época, a ministra Carmen Lúcia votou pela prisão já após a condenação em segunda instância. “Se não se tem a certeza de que a pena será imposta será cumprida, o que impera não é a incerteza da pena, mas a certeza ou pelo menos a crença na impunidade”, argumentou.
Mais recentemente, um projeto de lei apresentado pelo deputado Delegado Ramagem (PL-RJ) busca permitir a prisão imediata de pessoa com condenação criminal confirmada ou imposta por tribunal (a segunda instância). Segundo ele, a intenção é acabar com a insegurança jurídica do tema.
5. Atualizar a tecnologia de segurança
Apesar de defender que as polícias tenham autonomia, Andreotti reforça que é necessário um “choque de tecnologia” com câmeras de reconhecimento facial pelas cidades e viaturas e na perícia criminal, além de uso de drones para patrulhamento preventivo.
A criação, integração e aperfeiçoamento de bancos de dados com integração entre estados, além de um banco de dados genéticos e de pessoas desaparecidas, é fundamental. Especialmente quando o crime está cada vez mais “evoluído” tecnologicamente.
Além disso, diz ele, é importante desburocratizar, trazer o Ministério Público para mais próximo da investigação, alterar os mecanismos para diminuição da morosidade da Justiça e acabar com o excesso de nulidades do processo penal.
“O Brasil está a um passo de perder o controle para o crime organizado. Não é mais possível combatermos o crime com leis de tempos de paz estando em tempos de guerra”, afirma Andreotti.
noticia por : Gazeta do Povo