27 de fevereiro de 2025 - 19:29

Por que San Francisco não quer deportar os traficantes de drogas?

Você não espera ouvir essa mensagem em uma cidade conhecida por sua postura acolhedora, mas a crise do fentanil em San Francisco é tão grave que os moradores não estão se sentindo muito hospitaleiros. Os alvos de sua ira: traficantes de drogas, a maioria deles imigrantes ilegais de Honduras, que fornecem substâncias tóxicas para os milhares de viciados que circulam pela cidade, trazendo perigo e caos.

O novo prefeito de San Francisco, Daniel Lurie, colocou o cenário das drogas e o problema dos moradores de rua como prioridades de sua gestão. Logo após assumir o cargo no mês passado, ele levou seu plano para mitigar o problema do consumo de drogas ao ar livre da cidade ao Conselho de Supervisores [Nota da Tradução: uma espécie de Câmara dos Vereadores de San Francisco]. Todos, exceto um, dos 11 membros do conselho — um órgão legislativo que detém tanto poder quanto o prefeito — votaram para aprovar sua Portaria de Estado de Emergência do Fentanil, que iniciará a criação de um novo centro de estabilização para moradores de rua com transtornos de abuso de drogas, adicionando 1.500 leitos e contratando mais especialistas em segurança pública e saúde comportamental.

A ideia é que, em vez de deixar pessoas doentes nas ruas ou sobrecarregar os hospitais, policiais, paramédicos e equipes de resposta a crises as levem ao centro de estabilização, liberando, assim, as emergências hospitalares e os serviços de primeiros socorros. No local, espera-se que os dependentes químicos possam iniciar uma trajetória rumo à sobriedade e à saúde.

Mas a cidade também tomará medidas mais rigorosas contra os traficantes de drogas? Em 2024, o jornal San Francisco Chronicle expôs o pipeline de traficantes de fentanil administrados por cartéis que enviam dinheiro de volta para seu país de origem enquanto devastam comunidades locais.

Quando perguntados se cooperariam com o Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês) para deportar esses traficantes afiliados a gangues, quase todos os supervisores da cidade ficaram em silêncio. Connie Chan, Jackie Fielder, Danny Sauter, Shamann Walton, Myrna Melgar, Bilal Mahmood e Chyanne Chen se recusaram a responder a dois pedidos de comentário.

O supervisor Stephen Sherrill deu uma resposta vaga no X, dizendo que traficantes de fentanil “não têm lugar” em San Francisco, sem esclarecimentos. Sua declaração foi recebida com críticas, sendo chamado de “mais um covarde” e recebendo comentários como: “Sim ou não? Pergunta simples, que dá para responder com uma palavra”.

O supervisor Joel Engardio escreveu que apoia a autoridade do governo federal para deportar criminosos considerados culpados de violar a lei, mas não pediria cooperação com o ICE, “porque [a administração atual] não é confiável para aplicar o estado de direito de forma justa”.

As únicas respostas afirmativas vieram do presidente do conselho Rafael Mandelman e do supervisor Matt Dorsey.

Mandelman, que apoia a política de cidade santuário [Nota da tradução: a política de cidade santuário nos Estados Unidos se refere a cidades, condados ou estados que adotam medidas para limitar a cooperação entre as autoridades locais e o governo federal na aplicação das leis de imigração], faz uma exceção para alguns crimes. “Se você foi condenado e está na cadeia, não vejo motivo para protegê-lo se for um estuprador ou assassino. Traficantes de drogas podem ser tão letais quanto. O ideal seria que a polícia e o sistema de justiça aplicassem a lei, mas, se isso não acontecer, apoio a deportação.”

Dorsey, que está em recuperação de dependência química, foi ainda mais direto: sim, traficantes de fentanil que vendem em San Francisco e estão nos EUA ilegalmente devem enfrentar a deportação. Ele propôs adicionar crimes de tráfico de fentanil às exceções da política de cidade santuário.

As respostas evasivas ou fracas mostram que a maioria dos supervisores de San Francisco não está disposta a servir às comunidades que eles supostamente representam. O silêncio deles sobre a questão da deportação de traficantes imigrantes contrasta com sua postura firme durante um comício a favor das políticas de santuário da cidade no início deste ano, quando, nos degraus da prefeitura, declararam que não cooperariam com o governo federal. San Francisco é uma cidade santuário desde 1989, quando aprovou uma lei (mais tarde reforçada por outras medidas) proibindo autoridades municipais de apoiar esforços federais de imigração e policiais de questionarem o status migratório das pessoas.

A portaria, no entanto, foi criada para proteger indivíduos e famílias que chegaram em busca de uma vida melhor, não para dar abrigo seguro a pessoas que cruzam a fronteira para cometer crimes graves. Como o Chronicle relatou, os traficantes veem a cidade como um ímã justamente porque há menor probabilidade de deportação.

Por que não simplesmente prender e processar traficantes de drogas, independentemente de sua origem? Brooke Jenkins, promotora distrital da cidade, observou que a maioria dos juízes de San Francisco se recusa a tratar o tráfico de drogas como um crime grave. Muitos infratores não têm medo de serem presos ou de enfrentar consequências significativas; mesmo que sejam detidos, costumam ser soltos rapidamente.

Consequentemente, centenas de traficantes continuam a aparecer nas ruas e becos de San Francisco. A maioria viaja da East Bay para vender fentanil, metanfetamina e outras drogas em Tenderloin, Civic Center, South of Market e Mission. Eles trabalham em turnos, 24 horas por dia, sete dias por semana. Muitos viciados compram e então consomem as drogas na hora, em pequenos grupos. Outros levam de volta para suas casas — a maioria hotéis decadentes — para usar sozinhos.

As áreas com a maior concentração de traficantes lembram a linha de frente de uma guerra, com pessoas tropeçando, se curvando ou ficando inconscientes. Os médicos correm para administrar naloxona [Nota da tradução: A naloxona é um medicamento antagonista dos opioides, usado principalmente para reverter os efeitos de uma overdose de opioides, como morfina, heroína, fentanil, oxicodona e outros] para reverter overdoses. De acordo com o Plano de Prevenção de Overdose de San Francisco, a cidade aumentou sua distribuição de naloxona para mais de 158.000 doses no ano fiscal de 2023 a 2024 — uma média impressionante de 432 por dia.

Os esforços de triagem são temporários. Diariamente, corpos sem vida são transportados em lonas plásticas, a caminho do necrotério. No ano passado, em San Francisco, 633 pessoas morreram de overdose. De 2020 a 2024, quase 3.400 vidas foram perdidas. Quase todas as mortes foram resultado do fentanil ilícito fabricado no exterior e transportado para os EUA.

Os impactos se estendem aos vizinhos e comerciantes forçados a lidar com violência, sujeira e miséria. Pessoas de baixa renda, deficientes, imigrantes, idosos e famílias com crianças constituem a maioria dos moradores dessas áreas.

A portaria de fentanil de Lurie é um passo encorajador, mas só a contenção do fluxo de drogas baratas e facilmente acessíveis permitirá que San Francisco e sua população se recuperem. Sobre isso, deveria haver consenso. E, se isso significa trabalhar com o governo federal e agentes do ICE, que seja feito.

O governo Trump está forçando mudanças em San Francisco, e os líderes locais se encontram encurralados. O czar da fronteira Tom Homan enviou uma mensagem a todas as cidades santuários: gostem ou não, o ICE reprimirá gangues criminosas transnacionais. A administração anunciou que tomaria todas as medidas legalmente disponíveis para retirar fundos federais de jurisdições santuários. Tal medida poderia prejudicar San Francisco, já financeiramente endividada.

Os líderes locais poderiam defender o santuário para pessoas que entraram ilegalmente, mas não cometeram outros crimes, deixando claro publicamente a distinção entre esses indivíduos e criminosos mais perigosos. Não deveria ser difícil afirmar que quem entra ilegalmente nos EUA e depois vende substâncias letais não merece proteção.

Erica Sandberg é uma repórter política e de finanças do consumidor baseada em San Francisco.

noticia por : Gazeta do Povo

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