10 de março de 2025 - 6:41

As defesas são retaguarda do golpe, ou golpe é "ultima ratio" das defesas?

É matéria superada no STF, e isto precede essa denúncia, a razão por que o foro do inquérito do golpe — e de outros correlatos — é o Supremo. Da mesma sorte, não procede, segundo as regas do jogo, o questionamento sobre se o processo deve ser submetido à Primeira Turma ou ao pleno. Já se tentou o impedimento de Alexandre de Moraes, de Flávio Dino e de Cristiano Zanin, com alegações que não encontram abrigo na letra da lei. Há as artimanhas com alguma sofisticação — afinal, a defesa tem de fazer o seu trabalho —, e há as grosseiras, como as que listam Moraes e Dino entre as testemunhas… Adiciona-se a isso o esforço para anular a delação de Mauro Cid, sob a alegação de que ou teria havido coação, praticada justamente pelo ministro-relator, acusação que chega a ser bizarra, ou de que este teria se comportado como instrutor do processo ao advertir o tenente-coronel para o risco de perder benefícios do acordo de colaboração se não cumprisse o dever de dizer a verdade.

Duvido que os advogados — que podem fazer o seu trabalho porque a democracia venceu o golpe — acreditem que terão seus respectivos pleitos atendidos. “Então fazem o que fazem para quê?” Bem, quanto mais se recobre o processo com o glacê retórico de falsas ilegalidades e de inexistentes agressões ao devido processo legal, mais se mobilizam os espíritos para a guerra. Bolsonaro já marcou duas manifestações que, sob o manto do “Fora Lula 2026” — sem prejuízo de realmente querê-lo —, buscam, de fato, intimidar o Supremo. Isso não é novo. O então presidente da República comandou à distância o primeiro ato de rua contra o tribunal, no dia 26 de maio de 2023, antes que se concluísse o seu quinto mês de mandato. Como se nota, o ataque à Corte está na pré e na pós-história do golpe.

Sim, viva o direito de defesa em sua plenitude!, e ele está sendo exercitado. Mas é imperativo que se constate o enleio incômodo entre o ofício de alguns causídicos e o convite para que se “resolva” a coisa na marra, não na lei, que emana das redes e de alguns denunciados, especialmente de Bolsonaro.

Outra frente opera nos EUA por intermédio do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se dedica, com impressionante virulência, a difamar o sistema judicial brasileiro, o mesmo no qual os advogados, nesse e em outros casos, exercitam as suas habilidades. Na sua fúria, chegou a dizer que “Ainda Estou Aqui” é um filme sobre “uma ditadura inexistente”. Para ele, o verdadeiro regime de força é este em que os defensores de seu pai e de outros denunciados atuam livremente. “Inexistente”, para o valente, era a tirania em que vigia o AI-5 e que matou, entre outros, Rubens Paiva. Bolsonaro, diga-se, quando deputado, cuspiu no busto de Paiva no Congresso. Era o tempo em que estampava na porta do seu gabinete um pôster em que se lia: “Desaparecidos do Araguaia – Quem gosta de osso é cachorro”. Alçado à Presidência pela democracia que sempre desprezou, tentou lhe dar um fim. E vai pagar por isso.

O direito de defesa é um dos pilares do regime que os golpistas tentaram destruir. Devemos protegê-lo não em benefício dos criminosos, mas do conjunto da sociedade. E tenho de dizer: ainda que os defensores acreditassem profundamente na sua tese, para que ela se distinguisse do trabalho de um taxidermista, que confere aparência de vida ao que está morto, falsificando essencialmente a verdade com a eloquência da plasticidade, seria preciso que tal tese não fosse aliada daqueles que vão para as ruas para intimidar o Supremo ou que, fora do Brasil, atacam as instituições democráticas.

Nesse caso, é preciso que se indague se a defesa virou retaguarda do golpismo renitente ou se o golpismo renitente é a “ultima ratio” da defesa.

noticia por : UOL

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