O que você faria se no final do mês, na hora de pagar os boletos, sumariamente desaparecesse 30% ou 40% da sua renda? Essa é a triste rotina mensal de milhares de aposentados do INSS, que estão vulneráveis à epidemia de vazamento de dados e de crimes de engenharia social cada vez mais sofisticados. Descobrem da pior forma possível que foram vítimas de empréstimos consignados ilegais, que conta com a leniência de bancos e de correspondentes bancários preocupados em alavancar os lucros.
O empréstimo fraudulento assim é chamado em razão de não atender vários requisitos de validade —como assinatura, dados pessoais, biometria e documentação— e sobretudo o consentimento do titular em se endividar.
Muitas instituições financeiras simplesmente relaxaram em não conferir se o mútuo é idôneo. Para elas, é melhor acreditar que todos estão certos e esperar a reclamação da minoria. Por sua vez, o INSS há tempo deixou de ser rígido e criterioso no lançamento de descontos diretamente na folha.
Hoje em dia aumentou a facilidade de aparecer dívida ilícita no seu nome. No último boletim da Secretaria Nacional do Consumidor de 2023, cresceram as reclamações sobre cobranças indevidas de crédito consignado em 172%, estando entre os problemas mais reportados.
Recentemente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) surpreendeu ao dizer que as vítimas de descontos ilegais em suas aposentadorias não sofrem dano moral em ter o valor de sua aposentadoria reduzida por estelionatários.
Quem recebe aposentadoria do INSS sabe que é angustiante vê-la ser corroída pela inflação e achatada paulatinamente. Não bastasse isso, ainda estar passível de ter a renda reduzida por estelionatários. Reduzir o que já é reduzido.
No julgamento do REsp 2.161.428, a maioria dos ministros da 3ª Turma do STJ entendeu que essa fraude é apenas um “mero dissabor”. Como o dano moral não foi regulamentado no Brasil, o termo é um parâmetro subjetivo-jurídico para classificar o nível de aborrecimento que cada um sofre. Se for um “mero dissabor”, significa que não tem repercussão jurídica, nem muito menos a pessoa é digna de ganhar indenização financeira.
O ministro Antônio Carlos Ferreira deu o voto de desempate. Na opinião dele e dessa maioria, “a fraude bancária ensejadora da contratação de empréstimo, por si só, não é suficiente para configurar o dano moral, havendo necessidade de estar aliada a circunstâncias agravantes”.
O voto de Ferreira se contrapõe ao raciocínio de que o empréstimo fraudulento, ao reduzir o valor da aposentadoria, por si só caracteriza o dano moral e dispensa maiores provas do atropelo que é ter a renda encolhida, lógica que é tendência nos tribunais.
A decisão é preocupante. Embora seja apenas uma turma do tribunal, cria solução jurídica que vai na contramão do bom senso. Pode estimular indiretamente que instituições financeiras, propositalmente complacente em aceitar todo tipo de empréstimo, se encoraje nesse propósito, pois sabe que não vai pagar nada de dano moral. No máximo, devolver algumas parcelas descontadas da aposentadoria.
É lamentável que uma redução ilegal e significativa da aposentadoria, apta a suprir alimentos e despesas essenciais, seja tratada como “mero dissabor”.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
noticia por : UOL