19 de março de 2025 - 13:25

Ainda vai demorar para setor público alcançar patamar ideal de diversidade, diz aprovada no CNU

Ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional, Elaine Reis, 48, quase não via outras pessoas negras nem na universidade pública em que se formou nem na Receita Federal, onde atua como analista tributária há 18 anos. Para ela, apesar da Lei de Cotas, a presença de pretos e pardos no setor público ainda está longe do ideal. Aprovada no CNU (Concurso Nacional Unificado), Elaine diz torcer por mais avanços na diversidade do setor público.

Ela passou para o cargo de EPPGG (especialista em políticas públicas e gestão governamental), que tem um dos maiores salários iniciais e foi um dos mais disputados no certame. A carreira também permite que Elaine consiga ter um aumento de cargo e de salário –algo que hoje, por estar no topo da carreira, já não é possível.

Embora seja considerada aprovada, Elaine ainda não foi convocada para os cursos de formação. De acordo com a ministra Esther Dweck, candidatos que estiverem até o dobro do número de vagas podem se considerar aprovados, devido ao cadastro de reserva. É o caso de Elaine, no 31º lugar de 16 vagas para o cargo de EPPGG, na cota para pessoas negras. Até agora, 22 candidatos foram chamados, o que a colocaria na nona posição da lista de espera.

Formada em economia, ela é chefe de uma equipe de 20 pessoas que atua na revisão de crédito tributário. Quando chegou ao órgão, eram raras as pessoas pretas ou pardas, sobretudo mulheres, em posições de liderança.

“Quanto mais você sobe na cadeia hierárquica, menos mulheres têm. Pessoas negras, menos ainda”, afirma. “Eu acho que está mudando, mas vai demorar muito para ficar perfeito.”

Nascida em São João de Meriti (RJ), na Baixada Fluminense, Elaine diz que conseguiu estudar em escolas particulares devido ao apoio financeiro de toda a família. Ela perdeu o pai aos nove anos e a mãe, viúva, contava com a ajuda de parentes para arcar com os custos da educação da filha.

Foi isso, segundo ela, que permitiu sua aprovação na UFF (Universidade Federal Fluminense). Estudou lá no fim da década de 1990 e, nesse período, diz que quase não via outros alunos pretos ou pardos.

“Meu diferencial foi ter estudado em colégios um pouco melhores do que a maioria das pessoas negras têm acesso. Mas não posso pegar o meu caso, que é bem específico, e dizer que não é preciso ter cotas raciais.”

Depois de formada, ela começou a trabalhar em um banco privado, mas sempre esteve de olho em concursos públicos, atraída pela estabilidade das carreiras no setor. Na época, conciliava a vida profissional com a preparação para o certame da Receita. Estudava depois do trabalho e aos fins de semana.

Quando foi aprovada no cargo de analista, queria continuar prestando concurso para se tornar auditora. Chegou a tentar algumas vezes, mas sem sucesso. Com o CNU, viu uma oportunidade de ter salário maior e atuar em uma carreira com mais mobilidade, em que poderia trabalhar em diferentes órgãos federais.

O interesse pelo cargo de EPPGG surgiu quando fez mestrado em administração pública, após conseguir uma bolsa pela Receita Federal. Lá, conheceu professores que foram dessa carreira, o que a inspirou a seguir pelo mesmo caminho.

Por ter posição de chefia no órgão tributário, Elaine também participou de uma edição exclusiva para negros do Lidera GOV 4.0, curso do governo federal para servidores que são ou querem se tornar lideranças. A preparação acadêmica no mestrado e a trajetória profissional a ajudaram a ser aprovada no certame, de acordo com ela.

“Comecei a me enveredar mais por políticas e pela solução de problemas públicos, e aí veio a identificação com o cargo”, diz. “É difícil falar em transição de carreira no setor público, mas também existe. É o que estou fazendo.”

No preparo para o certame, o planejamento foi o mais importante, de acordo com a servidora. Aos domingos, ela definia quais as matérias a serem estudadas ao longo da semana e quanto tempo teria para se dedicar a cada conteúdo. Em geral, ela dedicava ao menos quatro horas por dia para os estudos e, aos fins de semana, passava o dia inteiro concentrada no certame.

Depois de ter conquistado uma boa posição no concurso, Elaine aguarda a convocação enquanto permanece em cargo de chefia na Receita. Enquanto isso, ela já está buscando saber mais sobre as possibilidades de atuação como EPPGG.

“A área tributária é uma que eu gosto muito de trabalhar. Toda a gestão pública vai ter que se adequar à nova legislação, então, futuramente, se eu for chamada, posso até atuar com isso.”

Esta é a terceira reportagem de uma série sobre os aprovados no CNU, uma parceria entre a Folha e o Instituto República.org, voltado à gestão de pessoas no setor público. A série aborda a trajetória pessoal, profissional e a dedicação aos estudos de alguns dos futuros servidores classificados no maior concurso público da história.

noticia por : UOL

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