O cheiro de naftalina no filme “The Alto Knights” é notável, mas não porque a maioria do elenco tem mais de 70 anos. O projeto existe desde os anos 1990, quando o roteirista Nicholas Pileggi foi indicado ao Oscar por “Os Bons Companheiros“, e só saiu do papel porque David Zaslav, CEO da Warner Brothers, aprovou em pessoa a produção.
A empolgação do executivo com o longa parece coisa do ego —a imprensa americana aponta que Zaslav e Pileggi são vizinhos nos Hamptons, bairro nobre de Nova York, e que essa relação pavimentou o acordo.
Já a produção em si é bem quadrada, tratando do conflito dos líderes de duas famílias da máfia americana dos anos 1940 e 1950, Frank Costello e Vito Genovese. De inesperado mesmo, só o fato de ambos os gêngsters serem interpretados por Robert De Niro.
A explicação lógica da escolha do ator para os dois personagens escapa pela tangente na história. A única conexão entre os gângsteres é que eles foram amigos na infância, descobrindo na mesma época o interesse pelas atividades criminosas. Eles manteriam a relação até o fim de suas vidas, mas em nada se pareciam fisicamente.
Mas a jogada maluca do filme com De Niro vira um acerto graças aos perfis diametralmente opostos dos mafiosos. Daí, o ator constrói os personagens de acordo com o seu passado de colaborações com Martin Scorsese, referência óbvia do projeto, e esta ligação dá gás à produção.
Frank, por exemplo, tem uma figura diplomática e política idêntica à dos mafiosos do artista em “Os Bons Companheiros” e “Cassino” —ambos escritos e baseados em livros de Pileggi. Já Vito, com sua atitude irascível que mais parece um vulcão em erupção, lembra os personagens de Joe Pesci nos mesmos filmes, e De Niro se diverte um tanto repetindo os seus trejeitos.
A presença dupla do ator nos papéis força um espelho entre os personagens aos olhos do espectador. Durante o embate, as suas posturas conflitantes refletem o conflito interno de postura no crime organizado, que passa por uma transição para o comércio de drogas.
A briga entre os “capos” é da ordem burocrática. Frank herdou de Vito a administração dos negócios quando este se exilou do país, nos anos 1930, para escapar da prisão por um crime de assassinato. Vito fica insatisfeito com a fatia menor dos negócios quando retorna e, passado os anos, aproveita uma investigação federal para tentar derrubar Frank.
A questão é que Frank já está bem interessado em se aposentar do comando, em especial por temer os desfechos óbvios da morte ou da prisão. O desafio, para ele, está em algum lugar entre escapar do cerco do governo e da paranoia de Vito, que ordena a sua morte depois que ele decide fugir do combinado em um interrogatório do Congresso.
Então você tem um chefe querendo sair do esquema e outro querendo subir na hierarquia, com os dois se atrapalhando no processo. Haja diplomacia nessa hora.
A tramoia é bem confortável para Pileggi, que encerra um panorama histórico do crime organizado americano. Bizarramente, ele termina no começo. A briga de Frank e Vito precede os mafiosos de “Os Bons Companheiros”, “Cassino” e “O Irlandês“, este produzido por ele.
Sob o peso dos irmãos mais velhos, “The Alto Knights” tem mesmo uma cara de patinho feio. A direção de Barry Levinson, veterano prestigiado que volta às telonas depois de uma década, ajuda pouco. Ele sofre para manter a tensão interessante diante de tanta contextualização, com o falatório da narração e dos diálogos deixando a politicagem com cara de reunião de condomínio.
O filme também não abandona a sensação recorrente de que saiu de algum lugar da Hollywood dos anos 1990, mas isso é mais um charme do que um problema. Levinson no fundo entende a trama de Frank e Vito como mais um épico do gangsterismo do cinema americano clássico, nos moldes dos filmes com James Cagney dos anos 1940 —um deles, “Fúria Sanguinária”, inclusive aparece na história.
Se “The Alto Knights” tenta retornar a um cinemão quase centenário por um estilo mais encardido, vale dar o crédito pela audácia. Até porque há situações e personagens insólitos o suficiente para bancar a história, e De Niro também entrega no filme a sua melhor atuação nos cinemas em muito tempo —isso fora de uma produção de Scorsese, pelo menos.
noticia por : UOL