23 de março de 2025 - 9:28

Uma vida por um celular: série de latrocínios em SP gera incredulidade e espera por justiça em familiares

Vitor Medrado, José Domingos da Silva, Vitor Rocha e Silva, Ariol Elvariste. Os quatro homens foram vítimas recentes da violência em São Paulo. Todos foram mortos em latrocínios —os criminosos levaram um celular ou uma aliança, objetos vendidos em lojas de rua e pela internet.

Ladrões em motocicletas têm deixado a cidade de São Paulo assustada nos últimos meses com uma sequência de roubos seguidos de morte registrados por câmeras. A qualquer horário e em diversas regiões, eles se valem da agilidade dos veículos em duas rodas para fugir do local do crime em instantes. Placas adulteradas dificultam ainda mais as investigações.

O agente de trânsito José Domingos da Silva, 48, foi baleado enquanto trabalhava na rua Osiris Magalhães de Almeida, na Vila Sônia, zona oeste, na manhã do último dia 13. A câmera corporal que ele usava gravou a abordagem e os tiros. O ladrão exigiu os pertences. Silva aparentou reação. O criminoso disparou, montou na moto e fugiu. Ele não foi preso.

À reportagem um familiar da vítima disse ser difícil acreditar que uma pessoa uniformizada e com câmera ligada tenha sido roubada. O agente da prefeitura estava na CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) havia mais de uma década. Gostava de estar perto da família e frequentava a igreja Adventista do Sétimo Dia, contou o familiar.

A cerca de 9 km dali o ciclista Vitor Medrado, 46, foi assassinado um mês antes. Ele mexia no celular no entorno do Parque do Povo, no Itaim Bibi, zona oeste, quando dois ladrões em uma moto chegaram. Vitor foi baleado antes de qualquer reação e caiu no chão, ferido. O criminoso se aproximou, pegou o aparelho e fugiu.

Na quarta-feira (19) a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou ter prendido dois suspeitos de envolvimento na morte. Um deles foi detido durante um assalto. O outro, na favela de Paraisópolis. Lá, Suedna Barbosa Carneiro, 41, conhecida como Mainha do Crime, foi presa cinco dias depois da morte de Medrado. Ela seria a responsável por patrocinar os roubos e comprar os celulares tomados nas ruas. Uma tabela com os valores para os aparelhos foi encontrada com ela.

Suedna foi ligada pela polícia indiretamente a outros casos de latrocínio na cidade. Seu nome consta na investigação da morte do delegado José Belarmino de Moura Junior, 33, no dia 14 de janeiro.

“A vida do meu irmão era muito mais que isso [celular]. Não se importava com bens materiais. Ele era família e o esporte. Minha mãe tem todas as medalhas dele desde criança até hoje. Ainda estamos desolados, mas seguindo”, disse o designer e diretor de arte Jonh Medrado, 43.

Durante a conversa com a Folha em uma praça nas proximidades da avenida Paulista, ele se mostrou confortado com as prisões, mas diz esperar que elas sejam longas. “Queremos agradecer que a justiça foi feita. Mas que não ficasse só nisso. Que não fossem soltos.”

O irmão conta que Vitor praticava esportes desde pequeno, mas foi no ciclismo que se aprofundou. “Nunca largou a bicicleta. Acordava às 4h para treinar e depois treinava outras pessoas para competições.” Mesmo à distância, a família seguia unida. “Ele era muito presente, fazia videochamada”.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do estado disse que as ações de policiamento preventivo e ostensivo estão sendo reorientadas para ampliar o patrulhamento e reduzir a incidência criminal em diferentes regiões da capital.

Conforme o número de vítimas aumenta na cidade —foram 53 assassinatos de janeiro a dezembro do ano passado ante 43 no mesmo período anterior—, as condenações pelo crime de latrocínio também crescem.

Levantamento do Tribunal de Justiça feito a pedido da Folha aponta a condenação de 70 pessoas pelo crime de latrocínio na cidade de São Paulo em 2024 contra 57 em 2023 e 33 no ano anterior.

Há a possibilidade de o crime ter ocorrido em anos anteriores aos da condenação. No estado houve queda no número de condenados por roubo seguido de morte. Foram 156 no ano passado ante 208 em 2023 e 140 em 2022.

Diferentemente do homicídio, que é julgado por um tribunal do júri, a sentença do latrocínio fica a cargo de um juiz. “A intenção no latrocínio não é matar, é roubar. Ele [bandido] mata para garantir a efetividade do roubo. Então, você vai julgar nesse caso a intenção”, explica o advogado criminalista Renan Bohus. O latrocínio é um crime hediondo, com pena na casa dos 20 anos.

Bairro boêmio, Pinheiros, também na zona oeste, tem vivido dias conturbados na área da segurança pública, com o aumento de roubos e furtos e pessoas baleadas.

O consultor Vitor Rocha e Silva, 23, foi assassinado na rua Joaquim Antunes no dia 23 de janeiro. Ele estava na companhia do namorado, o analista Felipe Lobato, 26. O casal, que morava em Minas Gerais, buscava um local para almoçar quando foi surpreendido por ladrões em motos.

“Em qualquer situação de morte a gente já fica assim, mas quando é uma morte em que acontece um assalto, é surreal. Você tem uma sensação de impotência”, diz Lobato.

“É desmotivador, desesperador e extremamente triste ver que as pessoas vivem inseguras nos seus lares, no seu momento de lazer. A gente estava indo almoçar no intervalo do nosso trabalho, enquanto a gente estava viajando, então é muito complicado.”

noticia por : UOL

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