“Adolescência”, série de sucesso mundial da Netflix, me deixou tenso durante os quatro episódios e me levou às lágrimas na cena final. Os passos lentos e o olhar angustiado de Eddie, o pai, no quarto vazio de Jamie, seu filho adolescente, tocaram minhas angústias mais profundas de pai e pastor.
Lembrei-me do que senti em 1996. Era meu segundo ano como pastor em São Paulo e havia nascido meu primeiro filho. No começo da noite, eu estava conversando com um membro de minha congregação no portão da casa dele quando um táxi dobrou a esquina e veio reduzindo a velocidade até parar onde estávamos.
Saiu do carro um jovem de 30 anos que tinha a aparência de um homem de 80 anos. Deu um grito dizendo: “Pai, sou eu”. Vi o espanto no rosto daquele senhor tentando reconhecer o filho que voltava do presídio do Carandiru depois de cumprir quase uma década de pena. Havia sido solto porque estava com HIV em estado terminal.
Passaram-se pouco mais de dois meses e ele morreu. Depois do culto de despedida e enterro, o pai me disse: “criamos esse menino na igreja, como os outros irmãos dele. Demos todo amor e orientação, mas na adolescência ele começou a roubar, a usar drogas e nunca mais parou”. Os pais eram trabalhadores e crentes. Não eram perfeitos, certamente. Mas eram pessoas boas e amaram muito aquele filho.
Na série, Jamie é acusado de matar a facadas uma garota de sua escola. Quando os pais dele se perguntam se fizeram algo errado, se deveriam ter sido mais atentos ao comportamento do filho e se poderiam ter evitado a tragédia, estão fazendo questionamentos que todos os pais fazem quando algo dá errado com os filhos.
A provisão de ambiente familiar de cuidado e atenção não garantem que um filho ou filha não se encaminhem para a criminalidade. A mancha de sangue está nos primeiros capítulos da Bíblia quando Caim, filho de Adão e Eva, assassina seu irmão Abel.
Andrew Solomon, autor de “Longe da Árvore”, acompanhou dezenas de pais cujos filhos cometeram crimes e observa que “apesar de amor e apoio sem limites, algumas pessoas são feitas para a violência e a destruição, elas carecem de empatia ou têm uma visão turva da realidade”.
Recordo o dia em que estava numa lanchonete do McDonald’s e meu filho mais velho estava absorto comendo seu sanduíche. Olhei no fundo dos olhos dele e me vi, mas, ao mesmo tempo, vi uma pessoa diferente de mim e nela havia algo inalcançável ao meu olhar paterno. Senti um frio percorrer a minha espinha dorsal.
Nunca precisei ir a uma delegacia pelo comportamento dos meus filhos. Mas tive de lidar com a reprovação na escola do meu filho mais novo que, na adolescência, virava madrugadas jogando no computador, apesar das reprimendas e castigos.
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Na série “Adolescência” os temas do bullying no ambiente escolar e da supervisão do uso das redes sociais estão presentes. A questão da comunicação entre pais e filhos perpassa toda a trama. Mas o que me fisgou é algo mais forte e misterioso: não há receita quando se trata da educação de filhos.
“Adolescência” retrata uma família na qual não faltava amor aos filhos, apesar disso, como tantas famílias que conheço, não foi poupada do sofrimento de ver o pequeno Jamie atrás das grades.
O amor não é garantia de nada na vida, menos ainda de sucesso, mas sua resiliência sempre me espanta. Em “Adolescência” dói ver o amor da família por Jamie, apesar de toda dor que ele lhes causou. “Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo”, escreveu Carlos Drummond, no poema “As Sem Razões do Amor”. Ele estava certo.
noticia por : UOL