Realmente não acredito que o sistema judicial brasileiro permita a celebração de acordos, de qualquer natureza, que violem garantias constitucionais e o devido processo legal. De resto, voltemos à questão das salsichas: sabemos muito bem como foram feitas no período do terror lava-jatista, como lembra Mendes:
“Nessa toada, destaco, dentre os vários elementos indicativos desses graves vícios de ilegalidade, o conluio existente entre membros do Ministério Público e o então juiz Sérgio Moro, o uso excessivo de prisões preventiva como instrumento de barganha para os acordos, a exigência da desistência dos pedidos de liberdade provisória formulados pelas defesas como requisitos para o prosseguimento das negociações, a divulgação de notícias nos meios de comunicação para pressionar os colaboradores a celebrarem os acordos, a eleição dos recorrentes como alvos da operação com base em objetivos políticos e a eleição de critérios aleatórios e arbitrários para a definição das penas privativas de liberdade, de multa e de perdimento de bens.”
Tudo isso aconteceu.
ALGUMAS ABERRAÇÕES
Há casos em que o perdimento antecipado de bens se torna especialmente perverso. Mendes cita:
“O recorrente da PET 6455, A.L.C.R, possuía uma única investigação instaurada contra si que foi arquivada com base na extraterritorialidade dos delitos e da ausência de qualquer ato ou delito praticado em território nacional. O colaborador/recorrente da PET 6471 se encontra em situação semelhante, já que não foi processado e nem condenado por nenhum dos fatos delatados. No que se refere ao colaborador da PET 6491, uma das denúncias oferecidas contra ele já foi rejeitada, uma segunda foi recebida, e o terceiro fato se encontra em discussão em sede de recurso em sentido estrito.”
NÃO ESTÁ CONTRA DELAÇÃO
O ministro destaca que não está se opondo ao estatuto da delação premiada:
“Para concluir, entendo ser importante reiterar que não se está a adotar um posicionamento contra a colaboração premiada, contra a investigação e a punição efetiva e em prazo razoável de crimes cometidos por organizações criminosas ou contra o ressarcimento de prejuízos causados ao Estado brasileiro.
Em verdade, a aplicação das garantias fundamentais do processo aos acordos de colaboração premiada busca ressignificar este instituto e resgatá-lo de um contexto em que foi utilizado para a prática de um incontável número de arbitrariedades.
Este resgate permitirá, a meu ver, que tais acordos cumpram a sua função de servir para a obtenção de provas, para o esclarecimento de fatos de interesse público e para o julgamento efetivo e em prazo razoável de crimes graves, com a aplicação das penas corporais ou patrimoniais cabíveis e o ressarcimento de prejuízos financeiros, sem se converter, em si mesmo, em um instrumento de injustiça e de uso abusivo e expansivo da força.
Essa é a única forma de se compatibilizar esse instrumento de justiça negocial com as melhores práticas nacionais e internacionais de combate à macrocriminalidade e de observância ao sistema de proteção de direitos.
Registre-se que a proposta aqui defendida não impede a celebração de acordos, não obsta a manifestação do consenso no processo penal, não impossibilita a aderência da defesa às teses acusatórias e nem proíbe o uso das modernas técnicas de investigação, de produção de provas ou do uso de medidas cautelares para o bloqueio de eventuais valores ilicitamente obtidos, assim como também não tergiversa contra violações nucleares a direitos e garantias fundamentais como o princípio da legalidade penal, da presunção de inocência, do caráter acusatório do processo e do devido processo legal.
Não se pode simplesmente dizer que a reafirmação de tais direitos e garantias servirá como empecilho ou desestímulo à celebração dos acordos de colaboração premiada.”
CONCLUO
Trata-se, entendo, apenas do devido processo legal. Um cumprimento antecipado de pena, a título de acordo, que possa beneficiar o colaborador é coisa distinta do definitivo perdimento antecipado de bens, que ignora o devido processo legal e garantias constitucionais. “Ah, mas há o acordo…” Contra a Constituição e contra a própria lei que regula a delação?” Inexiste liberdade para uma pessoa, por exemplo, para fazer leilão público de um dos rins, de uma das córneas… Javier Milei chegou a flertar com a ideia. Mas até ele desistiu.
“Reinaldo poderia ser assim garantista com os denunciados por golpismo…” Eu sou. De resto, Bolsonaro segue fazendo discurso golpista, né? Repudio de forma veemente e resoluta todas as tentativas de associar à esbórnia da Lava Jato o cumprimento do devido processo legal nos processos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes.
noticia por : UOL