É difícil dissipar a sombra de melancolia da segunda temporada de “The Last of Us”, que adapta a sequência do game de mesmo nome e traz uma das cenas mais dolorosas da dramaturgia moderna, sem comiseração com os fãs. Ainda assim, o primeiro episódio, disponível a partir deste domingo (13) na HBO, faz o melhor para nos lembrar por que esta é uma das melhores séries em exibição.
(Este texto contém spoilers apenas do que já está no ar, não de episódios futuros.)
Reencontramos a dupla Ellie (Bella Ramsay) e Joel (Pedro Pascal) cinco anos após a carnificina cometida por ele no fim da primeira temporada. A heroína e seu pai postiço agora vivem em um povoado isolado em Wyoming, norte dos EUA, duas décadas após a maior parte da humanidade perecer em um apocalipse biológico (no caso, uma pandemia de fungos que transformam o hospedeiro em zumbi).
Na comunidade, vigora uma espécie de proto-Estado com regras estritas e ares coloniais. Foi o jeito de driblar a praga, e Joel e Ellie, dois tipos associais, parecem ajustados ao cotidiano local. Se a primeira temporada se orientava pela expectativa de redenção/salvação de ambos, porém, esta tem como norte a danação.
Mas “The Last of Us” nunca faz isso sem diálogos existencialistas, humor acérbico e atenção ímpar aos personagens. Ellie, a menina que sobreviveu a uma mordida de zumbi, agora é tem 19 anos, e, conforme Joel envelhece e se torna mais protetor, a relação dos dois sofre turbulências.
Já de cara os criadores da série, Craig Mazin e Neil Druckmann (este também roteirista do game), colocam Joel em uma inusitada sessão de terapia. Sim, este é um herói de ação que faz terapia, a la Tony Soprano, mas tem dilemas bem mais comezinhos, como aponta Gail, sua terapeuta.
A personagem, entregue à ótima Catherine O’Hara (“Schitt’s Creek” e “O Estúdio”), não existe no jogo, e parece ter como função maior questionar a ambivalência de Joel e dos espectadores. Ele quer salvar a humanidade ou quer salvar Ellie? Ou quer se salvar, já que Ellie deixou para trás a devoção da temporada anterior?
Viúva de Eugene, mais um que foi morto por Joel, ela oferece um vislumbre de normalidade na história, como se fosse possível examinar sentimentos, relações e todos os demais dissabores do coprotagonista enquanto se pega em armas para sobreviver. Mais ou menos como coube a Bill e Frank (Nick Offerman e Murray Bartlett) na primeira temporada.
Ellie, por sua vez, esta às voltas com o amor recém-descoberto por Dina (Isabela Merced), e todos os medos e alegrias que uma relação em ebulição guarda. A atuação de Ramsey, que continua com o mesmo ar juvenil de antes, consegue embutir esse amadurecimento na personagem, que passa da hesitação à autoconsciência em ser a messias dessa fração da humanidade que sobreviveu.
É como se os dois personagens, antes convergentes, agora tivessem pontos de fuga opostos, apesar da força do laço entre eles. Ellie parece achar seu lugar, e o amadurecimento da protegida deixa Joel sem função, obrigando-lhe a repensar sua posição.
Pascal embebe o personagem em uma melancolia ora silenciosa ora explosiva —como quando defende a filha de um sujeito homofóbico—, e também em um carisma luminoso que permitiu nos apegarmos a ele.
E, não menos importante, finalmente somos apresentados de forma mais oficial a Abby (Kaitlyn Dever), a nêmesis de Joel, que pretende vingar a morte do pai —um dos médicos mortos por ele no desfecho da primeira temporada para impedir que Ellie fosse sacrificada e virasse material para vacina. Em suas poucas cenas, Dever oferece uma antagonista antipática, não necessariamente vilã. A ver como se sai.
Após uma primeira temporada extremamente bem recebida, as expectativas são enormes. Mazin e Druckmann parecem saber o que fazem. Assim, os fãs sofrerão. E também serão compensados.
Os episódios da segunda temporada de The Last of Us” vão ao ar aos domingos, à partir de 13 de abril, na HBO
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
noticia por : UOL