Ação na Justiça dos EUA tenta reverter decisão do presidente, que determinou que o governo considerasse apenas dois gêneros – masculino e feminino -, e assinou várias medidas para, em suas palavras, ‘deter a loucura transgênero’. A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) em discurso no plenário da Câmara no dia 8 de março
Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados
A deputada federal brasileira Erika Hilton teve o gênero alterado para masculino ao tirar um novo visto para entrar nos Estados Unidos e protestou, nesta quarta-feira (16), dizendo ter sido vítima de “violência” e “transfobia de Estado”.
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A parlamentar do PSOL, uma das duas primeiras trans da Câmara dos Deputados, iria participar de uma missão oficial nos EUA, mas se recusou a viajar ao receber seu documento em desacordo com sua autodeterminação de gênero como mulher.
“É absurdo que o ódio que Donald Trump nutre e estimula contra as pessoas trans tenha esbarrado em uma parlamentar brasileira”, afirmou Hilton.
O que aconteceu com Erika é resultado de uma ordem executiva assinada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, logo no dia da posse. Em seu primeiro discurso, ele anunciou:
“Será política oficial dos EUA que existam apenas dois gêneros, masculino e feminino”.
De acordo com o decreto assinado pelo presidente, esses gêneros não são mutáveis e baseiam-se em “realidade fundamental e incontestável.”
O texto diz que os dois sexos são definidos na concepção: uma pessoa que produz “a grande célula reprodutiva” seria considerada mulher; e a que produz “a pequena célula reprodutiva”, homem.
Intitulada como “Defendendo as mulheres do extremismo da ideologia de gênero e restaurando a verdade biológica ao governo federal”, a ordem executiva de Trump instrui a remoção de todas as orientações, comunicações, políticas e formulários “de ideologia de gênero radical”.
Presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma série de ordens executivas
Leah Millis/Reuters
Estão proibidos o uso de fundos federais, o financiamento público e os programas governamentais para a promoção da “ideologia de gênero”. Passaportes e documentos passam a incluir apenas um dos dois gêneros.
A determinação imposta por Trump entra em conflito com o que a Associação Médica Americana e outros grupos médicos tradicionais dizem: que pesquisas científicas extensas sugerem que sexo e gênero são melhor compreendidos como um espectro do que como uma definição de “ou uma coisa ou outra”.
As medidas de Trump contra as políticas de gênero
Apenas na primeira semana de governo, Trump assinou uma série de ordens executivas sobre o assunto para cumprir as promessas de campanha de acabar com políticas de diversidade e inclusão.
Após ser eleito, em um ato para jovens conservadores no dia 23 de dezembro, o republicano garantiu que iria “deter” o que chamou de “loucura transgênero” no primeiro dia de seu segundo mandato.
Veja todas as medidas assinadas por Trump desde que assumiu:
20 de janeiro: palavras e expressões em desacordo com a nova política de dois gêneros foram removidas de sites federais, como gay, lésbica, bissexual, LGBTQ, HIV, orientação sexual e transgênero.
22 de janeiro: Casa Branca ordenou o fechamento dos programas de diversidade do governo federal e colocou seus funcionários em licença remunerada.
24 de janeiro: o governo determinou que mulheres trans presas passem a cumprir pena em cadeias para homens. No dia 4 de fevereiro, a Justiça americana, no entanto, suspendeu a decisão.
25 de janeiro: suspensão da emissão de passaportes com o gênero “X” para pessoas que se identificam como não binárias.
27 de janeiro: Trump assinou ordem que abria portas para o banimento de soldados abertamente transgênero no Exército do país. Exatamente um mês depois, o Pentágono anunciou que começaria a removê-los nos próximos 30 dias, mas uma juíza federal suspendeu a ação no dia 18 de março.
28 de janeiro: restrição de transições de gênero para menores de 19 anos.
29 de janeiro: Trump assina ordem executiva para acabar com fundos para disciplinas que abordam racismo e teoria de gênero nas escolas.
5 de fevereiro: proibição da participação de meninas e mulheres transgêneros em eventos esportivos femininos em escolas e faculdades – nesta quarta-feira (16), o governo anunciou que vai processar o estado do Maine por não cumprir ordem.
Atriz trans também teve passaporte alterado; ação contesta ordem
Hunter Schafer e Zendaya em cena de ‘Euphoria’
Divulgação/HBO
O caso de Erika Hilton não é o primeiro divulgado por uma figura pública. No dia 21 de fevereiro, Hunter Schafer, atriz trans da série “Euphoria”, contou que teve o gênero alterado no passaporte, após precisar tirar um novo porque havia sido roubada, em uma rede social.
Casos como o de Erika e Hunter, no entanto, não são únicos. No dia 25 de março, a agência de notícias Associated Press, conversou com Ash Lazarus Orr, um homem transgênero, que é um dos sete autores de uma ação contra o governo dos EUA.
“Isso está me impedindo de ter uma identificação precisa e a liberdade de circular pelo país, bem como internacionalmente. Isso realmente prejudicou minha vida e minha liberdade também”, lamenta.
A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), que está processando o governo federal em nome de Orr, ressalta em sua defesa no tribunal federal que a mudança de gênero no documento gera risco.
“Esta política não é uma política de passaporte. É uma política antitrans, e o decreto é muito claro sobre isso. Todos já sofreram maus-tratos devido às suas identidades de gênero e temem que ter designações de sexo incorretas em seus passaportes possa causar ainda mais maus-tratos — inclusive colocá-los em perigo”, afirma a advogada da ACLU, Sruti Swaminathan.
Durante seu segundo mandato, Trump já havia tentado aplicar a restrição a dois gêneros. Em outubro de 2018, ele quis limitar o registro do sexo para masculino e feminino no momento do nascimento de forma que fosse impossível alterá-lo no futuro. Relembre no vídeo abaixo:
Trump quer derrubar lei sobre escolha de gênero na identidade
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Fonte: G1