“Olha, foi ótimo ficar sem celular!” Dom Odilo Scherer deu uma gargalhada ao comentar com jornalistas o período de reclusão durante o conclave. Brincadeiras à parte, o arcebispo de São Paulo revelou à Folha que achou o deste ano “mais sereno” que o outro de que participou, doze anos atrás, quando Francisco foi eleito após a renúncia de Bento 16.
“Diferente, cada conclave é um conclave. Eu diria que o clima neste foi talvez mais sereno que no outro. A situação da Igreja, após o papa Francisco, recolheu bem mais consenso, unanimidade maior do que no pós-Bento 16, que renunciou em um momento de muita turbulência na Igreja. Isso repercutiu naturalmente na preparação e também durante o conclave [de 2013], de alguma forma, o que não foi o caso agora. Portanto, um clima de bem maior serenidade”, analisou.
Sem quebrar o sigilo em relação aos escrutínios, os cardeais brasileiros contaram alguns detalhes do conclave. A suposta demora na única votação do primeiro dia, que começou às 17h46 (12h46 em Brasília) da quarta-feira (7) e só terminou às 21h locais, deveu-se mesmo, como havia especulado a imprensa italiana, a uma longa palestra do cardeal Raniero Cantalamessa. Conhecido pregador, Cantalamessa não é eleitor, por ter 90 anos, mas foi convidado a falar aos demais cardeais.
“As homilias dele, sobretudo na Sexta-feira Santa e durante o tempo do Advento e da Quaresma, sempre foram muito apreciadas”, explicou dom Odilo. “De fato a conferência foi longa, mas muito apreciada e isso retardou um pouco o início dos trabalhos. Mas nada que comprometesse, porque fizemos o que precisávamos fazer.”
Em sua fala, Cantalamessa traçou um paralelo entre a conjuntura atual e a comemoração dos 1.700 anos do Concílio de Niceia, que tratou de importantes questões da Igreja, como a condição de filho de Deus de Jesus Cristo. O cardeal italiano refletiu sobre formas concretas de abordar o tema na pregação dos bispos —e do papa que seria eleito.
“É claro que o primeiro dia tem todas as explicações, tem palestra, tem organização e tudo mais”, disse à reportagem o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta. “Mas evidentemente conclave não tem hora marcada de terminar ou de fazer as coisas. Os horários quem marca é o povo que está fora. Mas a gente nem vê passar o tempo, nem tem como marcar o tempo nem o horário.”
Segundo dom Odilo, nem todos os cardeais conheciam bem o perfil do cardeal Prevost, o que ajuda a explicar que o nome dele, pouco cotado antes do conclave, tenha terminado como o mais votado após quatro escrutínios.
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“É pelo desenrolar do conclave que vai ficando claro o nome. É natural que nem todos os cardeais conheçam todos, sobretudo aqueles nomeados mais recentemente. Então é no convívio que se vão conhecendo, mas é também na votação que vai aparecendo quem recolhe os maiores consensos. De repente algum cardeal pergunta: ‘Mas quem é ele?’ ‘Quem é aquele?’ ‘Quem é aquele?’ É natural.”
Para dom Orani, “o Espírito Santo vai atuando” na condução do conclave. “Pouco a pouco ele vai mostrando os caminhos. E vamos vendo como ele vai conduzindo a história da Igreja.”
Dom Odilo contou que os cardeais brasileiros chegaram a sentar-se juntos, em algumas refeições, e confabularam sobre o andamento dos trabalhos. “No intervalo a gente volta para a Casa Santa Marta [alojamento dos eleitores], faz refeição, conversa, isso é previsto para ir formando sua opinião. Sem, contudo, que isso se torne uma espécie de comício com apresentação de candidato”, ressalvou.
O jantar pós-conclave, contaram os cardeais brasileiros, ocorreu em clima de grande alegria. Leão 14 circulou pelas mesas, cumprimentando os colegas, inclusive os brasileiros, chamando alguns pelo nome.
A influência da América Latina, evidenciada pela vitória de um papa com cidadania peruana, foi motivo de comentários entre os cardeais, segundo o arcebispo de Salvador, dom Sérgio da Rocha. “Foi interessante a reação de alguns cardeais depois da eleição, de dizer: “Pois é, a América Latina está oferecendo mais um papa.” Ontem eu ouvi isso.”
noticia por : UOL