15 de maio de 2025 - 3:22

Diddy no banco dos réus: acusação revela “empresa” de crimes sexuais por trás de império do entretenimento

Um homem problemático e violento, afeito a experiências sexuais excêntricas, porém consensuais? Ou o operador de uma organização criminosa que usava seu poder e influência para explorar mulheres? 

Esta é a dúvida que paira sobre o julgamento do rapper, produtor e magnata do entretenimento Sean “Diddy” Combs, iniciado na segunda-feira (12), em Nova York. Preso desde setembro de 2024, ele está no centro de um conjunto grave de acusações: tráfico sexual por meio da força, fraude, coerção, conspiração para extorsão e transporte para fins de prostituição. 

O artista, no entanto, declara-se inocente, e inclusive recusou um acordo com a promotoria. Mas, caso seja condenado, pode pegar de 15 anos de reclusão até prisão perpétua.  

Conhecido na década de 1990 como Puff Daddy, o novaiorquino Combs, de 55 anos, construiu uma carreira premiada na música antes de expandir suas atividades para o mundo dos negócios. Seu império comercial, que chegou a valer US$ 740 milhões (cerca de R$ 4,1 bilhões), inclui grifes de moda, marcas de bebida, produtos de cannabis e formatos de reality shows

Segundo os promotores, foi justamente por trás dessa fachada de sucesso e prestígio que Diddy comandou, por duas décadas, uma “empresa criminosa” voltada para “abusar e coagir” mulheres. A acusação ainda pinta um quadro sombrio da personalidade de Combs — definido como um indivíduo “controlador, manipulador e agressivo”, que usava armas de fogo e vídeos comprometedores para ameaçar suas vítimas. 

Óleo para bebê 

Presididas pelo juiz Arun Subramanian (nomeado pelo ex-presidente Joe Biden e primeiro magistrado de origem sul-asiática a ocupar essa cadeira), as sessões devem se estender por até dez semanas. O júri, selecionado por ele entre 100 pessoas, é composto por oito homens e quatro mulheres, de idades e profissões diversas. 

O time de acusação, liderado pela promotora Maurene Comey (filha de um ex-diretor do FBI), conta com uma característica simbólica: sete de seus oito integrantes são mulheres. Além disso, todas elas têm grande experiência em casos federais de abuso sexual. 

Já a equipe da defesa é encabeçada pela dupla Marc Agnifilo e Teny Geragos. Agnifilo esteve à frente do controverso caso que envolveu a seita de escravas sexuais NXIVM, enquanto Geragos carrega o legado de seu pai, um advogado atuante em processos relacionados a celebridades.

A base das acusações gira em torno das chamadas freak offs — festas “selvagens” marcadas por performances sexuais que chegavam a durar dias. Movidas a drogas como cocaína e ecstasy, as orgias envolviam mulheres atraídas por Combs, convidados (muitos deles famosos) e “acompanhantes” masculinos.

De acordo com os promotores, Combs coagia as vítimas a ter relações com esses prostitutos. E, quando não participava, masturbava-se assistindo aos bacanais. 

No ano passado, quando as autoridades realizaram buscas nas mansões do rapper, um detalhe em especial chocou o público: ele mantinha um estoque de mais de mil frascos de óleo para bebê (a serem usados como lubrificante íntimo em futuros eventos). 

“Estilo de vida swinger” 

Marc Agnifilo e Teny Geragos apostam numa estratégia clássica em casos de defesa de celebridades: admitir o excesso, mas negar o crime. 

“Sim, houve episódios de violência doméstica, e eles são indefensáveis. Contudo, isso não tem nada a ver com as acusações de tráfico sexual e extorsão”, afirmou Geragos no início do julgamento. 

De forma geral, a defesa tenta encaixar as atitudes de seu cliente num “estilo de vida swinger” — em que todas as atividades sexuais são consensuais e praticadas por adultos conscientes. 

Outro plano traçado por Agnifilo e Geragos consiste em questionar a motivação das dezenas de mulheres envolvidas no processo. Eles sugerem que algumas delas buscam dinheiro em vez de justiça, enquanto outras foram estimuladas pelo ciúme, pois se sentiram traídas por Diddy. 

Resumindo: os advogados tentarão convencer os jurados de que eles não devem avaliar Combs por suas preferências sexuais, mesmo se as considerarem repugnantes. 

“Olhar diabólico” 

O problema, para os defensores, é que o julgamento já começou marcado por depoimentos chocantes — e com descrições extremamente gráficas, a ponto de levar as filhas do réu, presentes na galeria, a sair do recinto algumas vezes. 

A primeira testemunha foi Israel Florez, ex-segurança do hotel InterContinental, em Los Angeles, e hoje policial do departamento local.

Ele relatou, em detalhes, um episódio ocorrido em 2016 e registrado pelas câmeras do circuito interno. Exibido para os jurados, o vídeo mostra o rapper agredindo sua namorada “oficial” da época, a modelo, cantora e atriz Cassie Ventura. 

Florez contou que foi chamado para atender uma “mulher em perigo” e encontrou Cassie ferida, com um olho roxo e várias escoriações no corpo — enquanto Diddy a chutava e a arrastava pelos cabelos no corredor do hotel. Ele ainda lembrou do “olhar diabólico” do empresário durante o ataque, além de acusá-lo de oferecer dinheiro em troca de seu silêncio. 

Em seguida, foi a vez do testemunho de Daniel Phillip, um michê e dançarino contratado para vários freak offs promovidos pelo artista. De acordo Phillip, Combs chegava a pagar até US$ 6 mil (R$ 33,6 mil, na cotação atual) por encontro, desde que ele seguisse rigorosamente suas instruções perversas.

O prostituto ainda descreveu situações envolvendo o uso desmedido de drogas, tentativas de suborno e mais cenas de violência física contra Cassie Ventura — que incluíam tapas e até garrafas arremessadas contra a modelo.

Diddy: da Calçada da Fama à prisão por tráfico sexual.Diddy: da Calçada da Fama à prisão, talvez perpétua, por comandar um esquema de tráfico sexual. (Foto: Joshua Gates Weisberg/EFE)

Rituais de humilhação

O depoimento mais esperado, obviamente, foi o da própria Cassie, que chegou ao tribunal grávida e acompanhada do marido. Hoje com 38 anos, ela afirmou ter recém-completado 22 quando ingressou no universo degradante das festas organizadas por Diddy.

Ventura falou sobre ser colocada em “posições comprometedoras com estranhos” e se sentir “louca, humilhada e nojenta” ao ser gravada pelo ex-namorado. Também nomeou alguns acompanhantes (todos eram “catalogados” em um fichário de argolas) e detalhou parte da logística dos eventos. 

Segundo ela, as orgias eram praticamente rituais de humilhação, realizados em salas iluminadas por velas vermelhas e com forte odor de “urina e óleo de bebê”. “Ele gostava que nossos corpos brilhassem”, disse. 

Cassie também confirmou a informação de que os bacanais podiam durar dias, e revelou consumir drogas ilícitas e medicamentos para dor em tempo integral. “Não havia espaço para fazer mais nada além de me recuperar e tentar me sentir normal novamente.” 

Sobre os surtos de violência de Combs, a modelo contou que ele poderia mudar de humor em questão de instantes. “Se eu fizesse uma cara ‘errada’, já estava levando um soco.” 

E o “círculo de confiança”? 

Nestes primeiros dias de julgamento, o viés conservador da cobertura tem chamado a atenção dos especialistas que acompanham a mídia americana. Para eles, trata-se de um reflexo do novo momento político de um país cada vez mais cético em relação às elites culturais e corporativas. 

Em outra frente, analistas já começam a especular sobre possíveis desdobramentos do processo, que pode se estender para além do próprio Diddy. Afinal, a promotoria federal tem batido muito na tecla de que a “empresa criminosa” do rapper só perdurou por 20 anos graças à colaboração de um “círculo de confiança”. 

Espera-se, portanto, que outros participantes do esquema, ou pessoas coniventes com ele, também sejam denunciadas. O que abrange, além de funcionários e parentes de Combs, gente graúda do showbusiness — incluindo celebridades que certamente surpreenderão o público.

noticia por : Gazeta do Povo

15 de maio de 2025 - 3:22

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