14 de maio de 2025 - 6:58

Tiro no pé? ADPF sobre Ramagem fará STF julgar inconstitucionalidade óbvia

Ninguém se torna presidente da Câmara porque ingênuo ou idiota. Ao entrar com uma ADPF, que será julgada pelos 11 ministros — na hipótese de que seja recepcionada —, Motta já sabe que a peleja larga com cinco votos contrários. Bastará mais um para que a decisão unânime da Primeira Turma seja mantida. “Ah, Reinaldo, mas quando se faz o exame em sede de constitucionalidade, um ministro pode mudar de voto”. É possível, mas absolutamente improvável. Assim, de saída, pode-se dizer que o deputado faz a vontade dos bolsonaristas, mas conhece de antemão o resultado. Ou será que existe esse negócio de recorrer ao pleno do tribunal contra decisão de Turma, por intermédio de uma ação que examina de constitucionalidade, na certeza de que vai vencer?

Afirmo acima que o próprio Motta reconhece parte do absurdo cometido pela Câmara. Ele deixa claro que o alcance da ADPF se restringe a Ramagem –, logo, excluem-se os outros 33. Na peça apresentada ao Supremo, a Mesa Diretora da Câmara escreve:
“A Constituição atribui expressamente à Casa Legislativa a competência para deliberar sobre a sustação da ação penal até o julgamento definitivo. Essa atribuição constitucional não pode ser subtraída por interpretação restritiva que desconsidere os efeitos institucionais do processo penal sobre a representação parlamentar”.

Epa! Esperem aí. O STF não fez “interpretação restritiva” coisa nenhuma! Apenas aplicou o que está escrito. Os senhores deputados, eles sim, resolveram fazer uma leitura alargada, “fora das quatro linhas”, como diria aquele. Relembremos a integra do Parágrafo 3º do Artigo 53:
“§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado,
por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.”

Ramagem e outros respondem por cinco crimes, dois deles relativos a danos ao patrimônio, que dizem respeito aos atos de 8 de janeiro de 2022, e o deputado foi diplomado no dia 16 de dezembro. OK. Sustados estão. Mas os três outros — organização criminosa, tentativa de abolição do estado de direito e tentativa de golpe de estado — são anteriores à formalização de sua eleição. A Câmara cria uma tese: esses três crimes têm conexão com os outros dois. Convenham: se fosse para ignorar o que está expresso na Constituição, faria sentido não livrar o deputado de nenhum dos cinco crimes. Afinal, os relativos ao 8 de janeiro é que derivam dos três outros, cometidos antes da diplomação. Na argumentação especiosa apresentada pela Mesa da Câmara ao STF, o que veio depois é que daria causa ao que veio antes. Não se viu tal circularidade do tempo nem na “Teogonia” de Hesíodo. Quer dizer, lá, sim, mas se trata de mitologia…

INCONSTITUCIONAL
Não tenho nenhuma dúvida de que a decisão da Primeira Turma, que só depende de mais um voto caso a ação seja examinada, será mantida. E considero a ADPF uma excelente oportunidade para que, afinal, se examine a constitucionalidade do Parágrafo 3º do Artigo 53.

Saibam: não foi o constituinte originário que escreveu na Carta que as respectivas casas podem sustar ações penais no caso de crimes cometidos depois da diplomação. Isso é obra da Emenda Constitucional nº 35, de 2001, que deu nova redação à integra do Artigo. E, se querem saber, o Parágrafo 3º é escandalosamente inconstitucional. É apropriado, pois, que seja mesmo examinado numa ADPF. A Constituição viveu 13 anos sem essa patranha.

noticia por : UOL

14 de maio de 2025 - 6:58

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