18 de maio de 2025 - 3:59

O futuro cobra juros do nosso adiamento

Quem já teve dor de dente e adiou a ida ao dentista sabe: o incômodo começa pequeno, mas cresce devagarinho até se tornar insuportável. Quando finalmente procuramos ajuda, o problema se agravou, o tratamento ficou mais caro, mais demorado — e, ironicamente, mais difícil de suportar do que teria sido no começo.

A vida financeira é parecida. A gente sabe o que deve fazer. Planejar a aposentadoria, organizar a compra da casa, contratar um seguro, blindar o patrimônio. Mas algo em nós nos convence a deixar isso para depois. E esse “depois” sempre chega — só que com juros, correção monetária e, às vezes, cicatrizes emocionais.

No caso da aposentadoria, o tempo é o maior aliado — ou o maior inimigo. Muitos adiam o planejamento com a ideia de que sempre haverá tempo, enquanto outros se iludem achando que o pouco que fazem já é suficiente. Quando percebem que não será possível manter o padrão de vida desejado, o esforço para compensar o atraso é muito maior — e, em alguns casos, simplesmente inviável.

Outro exemplo comum está na compra ou troca da casa. Em média, trocamos de imóvel três vezes ao longo da vida: ao sair da casa dos pais, ao casar, e ao ter filhos. Muitas vezes, ainda há uma mudança com o segundo filho. São decisões familiares que costumam levar anos de maturação, mas raramente são acompanhadas de um planejamento financeiro adequado. Perde-se, assim, a oportunidade de usar instrumentos mais baratos, como o consórcio, e acaba-se caindo no financiamento tradicional — mais caro e com impacto direto no orçamento por décadas.

A contratação de seguros segue a mesma lógica. Enquanto a saúde está boa e nada aconteceu, a sensação é de que o seguro pode esperar. Só que o seguro não serve para quando tudo está bem — ele existe justamente para proteger quando algo dá errado. Quando o risco se aproxima, as seguradoras podem recusar a proposta ou elevar substancialmente o custo. O seguro que antes cabia no bolso deixa de ser viável, e o que era proteção vira lamento.

O mesmo ocorre com a blindagem patrimonial. Empresários e profissionais liberais muitas vezes deixam de estruturar proteções jurídicas porque “por enquanto está tudo certo”. Só que o tempo certo para se proteger é antes da tempestade. Quando o problema aparece, as alternativas se reduzem e a solução vira um improviso jurídico — geralmente caro, tenso e ineficaz.

Por que adiamos o que sabemos que é importante? Porque somos induzidos por mecanismos do próprio cérebro. A economia comportamental já identificou vários desses atalhos mentais.

O viés do presente nos faz valorizar muito mais o agora do que o futuro. O desconto hiperbólico distorce nossa percepção de tempo e nos faz superestimar prazeres imediatos frente a ganhos maiores, porém distantes. O viés do otimismo nos ilude de que tudo vai dar certo, mesmo sem planejamento. E a aversão à perda nos impede de abrir mão de algo hoje, como pagar uma apólice ou investir em um plano de previdência, mesmo que isso evite perdas muito maiores lá na frente.

Vencer esses atalhos exige consciência. Significa aceitar que nossa mente nem sempre joga do nosso lado. Automatizar decisões, definir prazos claros para resolver pendências, conversar com quem já enfrentou o que queremos evitar e contar com apoio profissional são formas de ganhar clareza e, principalmente, disciplina.

Ignorar um dente sensível pode acabar em canal. Ignorar uma decisão financeira importante pode acabar com o futuro que você queria construir. O tempo, quando deixado sozinho para decidir por nós, cobra — e cobra caro. Melhor agir enquanto ainda é só um incômodo e o tratamento é simples.

E você, qual decisão está adiando hoje — e quanto ela pode te custar amanhã?

Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.

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noticia por : UOL

18 de maio de 2025 - 3:59

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