A administração tributária é mais do que um conjunto de funções técnicas. Ela é o alicerce do funcionamento do Estado. É isso que afirma, com todas as letras, o inciso XXII do artigo 37 da Constituição Federal: a administração tributária é atividade essencial ao funcionamento do Estado. Isso porque é ela que garante os meios —os recursos— para a implementação das políticas públicas.
Portanto, qualquer discussão sobre reforma tributária precisa, antes de tudo, reconhecer essa premissa. Mais ainda: deve respeitar a precedência da administração fazendária sobre os demais setores administrativos, como previsto também no inciso XVIII do mesmo artigo. São competências distintas e complementares. Quando há sobreposição, o resultado é ineficiência, disputa de espaços e, sobretudo, risco institucional.
Infelizmente, temos observado tentativas de imiscuição de algumas carreiras em atribuições que não lhes cabem. Ao longo do debate do Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, que regulamenta o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), têm-se ouvido interpretações equivocadas que buscam atribuir às Procuradorias funções que são exclusivas da Administração Tributária, como o esforço para associar o controle da legalidade do lançamento tributário a uma carreira distinta, em claro esquecimento do consolidado princípio da autotutela da administração pública.
Quem tem competência, por definição legal e constitucional, para lançar o crédito tributário é a autoridade fiscal. A Constituição não veda que a administração tributária, dentro de parâmetros legais, tenha a competência para promover a solução consensual de conflitos tributários antes da sua judicialização. Defendemos que esse seja o caminho, com prazos objetivos de pelo menos 12 meses, por exemplo. É mais eficiente, mais ágil, mais justo e não onera o contribuinte, por não serem devidos honorários advocatícios.
Não se trata de reserva de mercado ou de vaidade corporativa —trata-se de respeito à Constituição, ao Código Tributário Nacional e, consequentemente, ao interesse público. Cada agente deve cumprir seu papel institucional. Os auditores fiscais não invadem atribuições de outras categorias. Mas não podemos aceitar o movimento inverso.
FolhaJus
A newsletter sobre o mundo jurídico exclusiva para assinantes da Folha
O contencioso administrativo fiscal é um bom exemplo dos gargalos no sistema tributário. São processos que se arrastam por prazos superiores a 10 anos. Vemos contribuintes —inclusive os bem-intencionados — se aproveitando de brechas para evitar o pagamento de tributos. O sistema, em vez de promover justiça e arrecadação, se transforma em instrumento de postergação e perda de receitas. Isso é incompatível com um país que quer crescer com responsabilidade fiscal e justiça tributária.
Mais uma vez, não se trata de confronto entre carreiras. Trata-se de definir com clareza os papéis de cada uma. Ao procurador, a representação judicial do Estado. Ao auditor fiscal, o lançamento, a fiscalização, a cobrança e a solução consensual de conflito na esfera administrativa. Quando cada um cumpre seu papel, o Estado funciona melhor.
Vivemos um momento decisivo. A reforma tributária pode nos aproximar de um sistema mais simples, justo e eficiente. Mas para isso, precisamos evitar disputas corporativas desnecessárias. A Constituição é clara. E é nela que devemos nos apoiar.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
noticia por : UOL