4 de fevereiro de 2025 - 1:44

Empréstimo de carros da BYD ao STJ pode pôr em xeque futuros julgamentos

O “empréstimo” foi feito para a Corte e não especificamente para os magistrados, o que torna o processo legal, já que os juízes não podem receber presentes. De toda forma, por se tratar de um órgão público e da Justiça, advogados acreditam que o comodato pode prejudicar a imagem do STJ e pôr em xeque a credibilidade de julgamentos futuros que possam ocorrer envolvendo a empresa chinesa.

A BYD disse, em nota, que o STJ abriu para todas as montadoras um chamamento público para cessão e que a BYD participou do processo para ceder os veículos do modelo Seal pelo prazo de 24 meses. “A participação da empresa foi realizada com total transparência e dentro das regras vigentes, com o objetivo de promover o uso dos veículos elétricos no país”.

O STJ, por sua vez, justificou o empréstimo como uma “oportunidade de incentivar a inovação tecnológica e de demonstrar o compromisso com a sustentabilidade e contribuição com a redução de impactos climáticos”, segundo o jornal O Globo.

O contrato valia inicialmente por um ano, até 23 de janeiro de 2025, mas foi prorrogado até 2026 com a cessão de mais um veículo, um Dolphin. A BYD também firmou contrato de comodato com o Tribunal de Contas da União (TCU) e com a Câmara dos Deputados.

O empréstimo, não sendo para o juiz e sim para a Corte, não tem nada de ilegal, dizem os especialistas. Contudo, o próprio Código de Ética da Magistratura afirma que “é dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional”.

Na prática, pode, mas será que é adequado?

Para Carlos Eduardo Guerra, professor de Direito do Ibmec-RJ, o problema dessa gratuidade dos carros é a potencialidade de interferência em futuros julgamentos.

“Do ponto de vista legal, não tem problema porque [o empréstimo] foi ao órgão e não ao agente. O que tem que verificar é a ética pelo Compliance”.

Uma empresa deste porte está sujeita a eventualmente ter questões na justiça, direta ou indiretamente. Por exemplo, em dezembro, foram resgatados 163 trabalhadores chineses nos alojamentos da empreiteira Jinjiang, em condições análogas, na região metropolitana de Salvador, em Camaçari (BA), município onde a BYD está construindo sua fábrica. A empresa era terceirizada da BYD, que encerrou o contrato.

O Código de Ética da Magistratura deixa bem claro sobre a conduta idônea que o magistrado deve ter, sem receber indevidas influências “externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos”.

Guerra reforça que o empréstimo em si não é selo de que haverá desvirtuamento em futuros processos, mas acrescenta que é preciso analisar com transparência como se deu essa oferta gratuita: “As outras montadoras não teriam interesse também? Qual é o custo de manutenção desses veículos?”, questiona.

Dúvidas também levantadas por Frederico Afonso, professor de Direito da Damásio, do CERS e do CP IURIS. O advogado corrobora a visão de que atrelar a imagem do STJ a uma empresa não “pega bem” e abre brechas que poderiam ser desnecessárias quanto à credibilidade da Corte.

“O princípio da moralidade administrativa tem várias frases, e uma delas é ‘nem tudo que é legal é moral’. A montadora ganha com a publicidade. O poder público vai economizar, mas não é só isso, como fica a questão da pessoalidade?”, argumenta Afonso.“Não estou falando de corrupção, mas acaba tendo um desgaste que não vale a pena. O STJ não precisava disso. É uma economia que não vale a pena para a aparência do negócio”, avalia o especialista em direito constitucional.

Para o advogado André Marsiglia, professor de Direito Constitucional e comentarista da Gazeta do Povo, o empréstimo acaba se tornando um presente disfarçado: “O magistrado é o destinatário final, é quem acabará usando o carro”.

Segundo ele, toda a prestação de serviços a órgãos públicos precisa ser feita por licitação, por concorrência pública, mesmo que não haja custo, pois pode haver vantagens, no presente ou no futuro, à empresa, se ela tiver ou vier a ter processos na Corte, ou mesmo se houver uso da imagem do Estado para algum tipo de publicidade.

Para a Transparência Internacional, um tribunal receber de uma empresa carros de luxo para juízes já seria algo altamente questionável em qualquer parte do mundo da. “Sendo a BYD Brasil, que emprega como vice-presidente o ex-ministro de Michel Temer Alexandre Baldy, denunciado por corrupção e organização criminosa, é escandaloso. Em tempo: Gilmar Mendes anulou todas as provas contra Baldy recentemente”, diz o post deles na conta do X.

Um dos pontos delicados que envolvem estes contratos é que a BYD vai desfrutar de um incentivo fiscal que foi prorrogado na reforma tributária do governo Lula. O dispositivo que renovou a desoneração ficou conhecido nos bastidores do Congresso como “Emenda Lula”, graças ao patrocínio do presidente.

O benefício quer seria até 2025 foi prorrogado para 2032 para montadoras instaladas no Nordeste, Centro-Oeste e Norte. A BYD está construindo sua planta fabril na Bahia.

Por outro lado, a ligação de ministros em atividades “estranhas” ao seu ofício estão se tornando comum. Em dezembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes participou da entrega dos primeiros 100 quilômetros duplicados da BR-163, entre as cidades de Diamantino e Nova Mutum, no Mato Grosso.

Também no final do ano passado, ministra do STF Cármen Lúcia participou do quadro “Amigo Secreto”, do programa Fantástico, na TV Globo. Ela trocou presentes com o Thullio Milionário, autor do hit “Casca de Bala”, e com Liniker, artista do ramo musical.

noticia por : Gazeta do Povo

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