16 de abril de 2025 - 5:23

Observadores e analistas veem violações no Equador, mas não indício de fraude

No rescaldo de um conflituoso segundo turno no Equador, analistas e observadores eleitorais convergem em suas primeiras análises ao dizer que houve irregularidades no processo, muitas com origem em ações do agora reeleito presidente Daniel Noboa. Afirmam, porém, que não há indícios de fraude, como bradou a opositora Luisa González.

Eles mencionam notadamente o fato de Noboa ter se recusado a se afastar do cargo para fazer sua campanha, como apregoa a Constituição, e sua atitude clientelista ao anunciar há duas semanas um pacotão de auxílios estatais, que chegam a US$ 1.000 (mais de R$ 5.800) para produtores agrícolas, jovens adultos e empreendedores.

Indícios ou provas de que haja fraude, como afirmou o Revolução Cidadã, força política de González e de seu aliado Rafael Correa, no entanto, inexistem. O partido diz que votos da candidata “desapareceram injustificadamente durante a contagem, enquanto Noboa registrou incrementos estatisticamente impossíveis”.

Duas das principais missões de observadores internacionais do pleito, a da OEA (Organização dos Estados Americanos) e a do Parlasul (Parlamento do Mercosul), já disseram nesta segunda-feira (12) que validam o resultado final, no qual Noboa foi reeleito com folga.

Isso não exime ponderações críticas das missões. O relatório preliminar do Parlasul, por exemplo, diz que seria preciso rever a possibilidade de que o presidente possa decretar estado de exceção na véspera de uma eleição, como fez Noboa no fim de semana.

Mas falando à reportagem em Quito minutos após se reunir com a autoridade eleitoral, a chefe da missão do grupo, a argentina Fabiana Martín, disse que esse fator não coloca em dúvida os resultados.

Sua análise final resumiu o que ecoaram analistas: “Uma coisa é o fato de que, no dia da votação, não houve elementos que nos permitam dizer que os resultados foram manipulados; outra é reconhecer que tudo se deu em um contexto de debilidades democráticas.”

As eleições no Equador são com voto em papel e obrigatório para cidadãos maiores de 18 e menores de 65 anos. Quando se finaliza a votação, a contagem das cédulas é feita no próprio centro eleitoral com o monitoramento de delegados dos dois partidos políticos (eram em torno de 95 mil os credenciados em todo o território).

Esses mesmos delegados ao final do processo tiram fotos das atas finais e as enviam aos comandos de suas legendas, movimento quase natural nas nações que votam com esse método para que seja feito um monitoramento próprio, não oficial. Dessa maneira, os delegados de González possuem suas cópias da ata. Em um cenário em que possa comprovar fraude, ela poderia apresentar esses documentos.

Guardadas as devidas proporções de uma democracia com suas falhas, como é o Equador, e de uma ditadura militarizada, caso da Venezuela, é possível lembrar do que ocorreu em Caracas no ano passado, quando para comprovar a fraude do regime os opositores apresentaram as suas atas eleitorais. O Revolução Cidadã (RC), ou o correísmo, a força política por trás da legenda, ainda não deu indícios de que o fará.

Chamou a atenção de analistas o fato de que membros de peso no RC reconheceram a vitória de Noboa independentemente de González ter dito que não a reconhece. Foi o caso, entre muitos outros, do prefeito de Quito, Pabel Muñoz, e do da importante e litorânea Guayaquil, Aquiles Álvarez.

Os célebres analistas políticos locais Esteban Ron e Simón Pachano coincidem na leitura de que o resultado pode ter sido surpreendente, mas não é exceção e não é impossível. No primeiro turno mero 0,17 ponto percentual separou González de Noboa. No segundo, mais de 11 pontos. Em letras miúdas: a opositora de esquerda quase não somou apoios do primeiro para o segundo turno.

A dupla menciona o que ocorreu nas eleições de 2021, nas quais triunfou o direitista Guillermo Lasso (o mesmo que dissolveu o governo dois anos depois, chamou novas eleições e pavimentou o caminho para Noboa). Naquele pleito, no primeiro turno, Lasso conseguiu meros 19,74% dos votos; e o candidato do correísmo (Andrés Arauz), obteve 32,72%. Parecia um belo caminho, até que no segundo turno Lasso triunfou com 52,3% ante 47,6% de Arauz.

É a tradução da força do anticorreísmo reiteradamente mencionada pelos analistas. “O correísmo é uma força populista que, sem dúvidas, é a principal do Equador; mas isso sem o outro lado da moeda: é também a que tem o maior voto contra”, diz Pachano.

Para Esteban Ron, “a interpretação técnica possível é a de que o correísmo chegou ao teto de seu apoio [os cerca de 44%], e as alianças que González conseguiu fazer no segundo turno [como a com o movimento indígena] claramente não se concretizaram nas urnas”.

“Acusações de fraude são inerentes a todas as democracias instáveis, mas as acusações agora são estritamente retóricas, sem fundamento”, acrescenta.

Os analistas também afirmam que Noboa foi hábil ao trabalhar com o sentimento de medo da população. Surfando em comentários (ou em omissões) do correísmo, ele difundiu —com muitas desinformações, é verdade— que a esquerda iria desdolarizar o país e aproximá-lo de uma Venezuela (González não é crítica à ditadura em Caracas).

Em nada ajudou a proposta de González de criar espécies de “gestores da paz”, nas palavras dela moradores que receberiam meio salário mínimo para colaborar com a polícia na segurança de seus bairros. Noboa comparou a iniciativa às milícias civis armadas da ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela e da de Daniel Ortega na Nicarágua.

Ainda não se sabe se as acusações de fraude vão desestabilizar o país a longo prazo. Mas das urnas saiu-se com algumas certezas: a de que sociedade mergulhou na pouco saudável polarização; a de que a corrente correísta trava a esquerda de aglutinar mais votos e a de que Noboa, com pecha de pouco afeito às regras da democracia, saiu muito fortalecido.

noticia por : UOL

16 de abril de 2025 - 5:23

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