16 de maio de 2025 - 6:20

Freire, Marx e Foucault não saem do topo da lista de autores mais citados no Brasil 

A melhor forma de medir as influências intelectuais da academia brasileira é também a mais difícil: reunir um banco de dados desses trabalhos e identificar quais são os autores mais citados.

A reportagem da Gazeta do Povo acaba de fazer exatamente isso. A pesquisa utilizou a ferramenta Google Pinpoint, que reconhece padrões (como nomes de pessoas) mesmo em bases de dados com um grande volume de arquivos. A plataforma foi desenvolvida pelo Google para projetos jornalísticos de larga escala.  

O levantamento analisou 3.000 dissertações de mestrado e teses de doutorado coletadas aleatoriamente do Banco de Teses da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e de repositórios institucionais de universidades brasileiras. Todos os trabalhos são de 2024 ou de 2025. Os arquivos incluem todas as áreas do conhecimento — da Sociologia à Matemática, passando pela Medicina, a Física e a Psicologia.

As 3.000 teses são divididas praticamente meio a meio entre trabalhos de 2024 e de 2025.  

A base de dados está disponível aqui

Os dados compilados pelo Pinpoint foram revisados manualmente porque a ferramenta por vezes trata nomes iguais como se fossem diferentes, e porque alguns nomes se referem a instituições e não a indivíduos. Por exemplo: menções ao Hospital Albert Einstein não foram incluídas nas citações ao físico Albert Einstein. 

Os três autores mais citados em 2024 e 2025 foram, nesta ordem, Paulo Freire, Michel Foucault e Karl Marx. O resultado é muito parecido com o do levantamento anterior feito pela Gazeta, e que analisou teses publicadas entre 2022 e 2023.   

Dos dez primeiros nomes da nova lista, oito estavam entre os top 10 de 2023 e sete aparecem entre os dez mais de 2022. O predomínio do trio Freire-Foucault-Marx também apareceu em 2022 e 2023.

Saiba quem são os dez autores mais citados no levantamento de 2024-2025. 

O top 10: inclinação à esquerda 

1. Paulo Freire (1921-1997) – citado em 278 teses  
O pernambucano Paulo Freire ficou conhecido por sua obra “Pedagogia do Oprimido”, que mistura conceitos marxistas à prática educacional. A influência do pedagogo é imbatível. Embora o maior volume de citações tenha vindo de trabalhos na Pedagogia, Paulo Freire é onipresente na academia brasileira. Por exemplo: uma dissertação de mestrado sobre o ensino da astronomia utilizou Freire como referência para defender uma educação que não siga a lógica “neoliberal capitalista”.

2. Michel Foucault (1926-1984) – citado em 268 teses  
Um dos principais nomes do chamado pós-modernismo, que rejeita a existência de verdades universais. Os seguidores de Foucault buscam “desconstruir” as estruturas de poder. É com base em Foucault, por exemplo, que uma dissertação de mestrado em Educação afirma que “a perspectiva pós-estruturalista é fundamental para desconstruir normas hegemônicas e revelar como as identidades de gênero são performativamente produzidas e reguladas”. 

3. Karl Marx (1818-1883) – citado em 245 teses 
O mais influente pensador socialista continua popular nas universidades brasileiras. Uma dissertação sobre a “dimensão político-pedagógica do serviço social” nas favelas Chapéu Mangueira e Babilônia, no Rio de Janeiro, introduz Marx já na epígrafe. A frase escolhida resume o papel do autor para parte dos acadêmicos brasileiros: “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.”. 

4. Pierre Bourdieu (1930-2002) – citado em 160 teses 
O sociólogo francês foi diretamente influenciado por Michel Foucault e se juntou à escola de pensamento pós-modernista. Ele era um crítico do capitalismo e da globalização. Bourdieu foi um dos responsáveis por popularizar o conceito de “violência simbólica”, que municiou o discurso contemporâneo de minorias reais ou imaginárias. É uma versão mais sofisticada e menos materialista da teoria marxista sobre a luta de classes. 

5. Aristóteles (384-322 a.C.) – citado em 131 teses  
Primeiro autor antigo no ranking dos mais citados, o pensador grego foi o que hoje se chama de um autor multidisciplinar. Por ter escrito sobre filosofia, política, física, zoologia e poesia — entre outros — ele acaba sendo usado como referência por autores de diversas áreas. Aristóteles também é um dos nomes preferidos em epígrafes, como esta tese de doutorado sobre a geração de energia a biogás: “A natureza não faz nada em vão.” 

6. Sigmund Freud (1856-1939) – citado em 105 teses 
Freud continua influente entre os mestres e doutores brasileiros. Na maior parte dos casos, ele é citado como um autor a ser levado a sério. Mas Freud também apanha — inclusive por ser… branco. “Não é preciso nos demorarmos no gráfico para constatarmos que a psicologia é ainda uma profissão branca. Sabemos que, historicamente, a psicologia teve como base homens brancos, como Freud, Lacan, Skinner, Piaget, Rogers, dentre outros que ouvimos e lemos tanto ao longo da graduação”, diz uma dissertação de mestrado em Psicologia

7. Maria Cecília de Souza Minayo (1938-) – citada em 98 teses  
Socióloga de Formação, Maria Cecília se especializou em Saúde Pública e foi pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Embora seja pouco conhecida fora da academia, ela se tornou uma autora relevante sobretudo porque é autora de obras sobre métodos de pesquisa. Por isso, mesmo estudantes de outras áreas citam o trabalho de Maria Cecília como referência em seus projetos. 

8. Platão (428 – 348 AC) – citado em 93 teses 
Assim como Aristóteles, Platão escreveu sobre uma infinidade de assuntos e influenciou todo o conhecimento ocidental desde então. Especialmente popular é o mito da caverna, no qual Platão exalta a figura do filósofo como alguém capaz de romper as correntes que o impedem de conhecer a realidade (o lado de fora da caverna) — enquanto as pessoas comuns precisam ser guiadas por ele à luz. 

9. Albert Einstein (1879-1955) – citado em 91 teses  
Como uma obra fundamental na Física, Einstein se destaca nos trabalhos acadêmicos nas Ciências Naturais. Mas quase tão importante são as citações soltas de Einstein em epígrafes de teses e dissertações. Boa parte na verdade é apócrifa, como esta: “Uma pessoa que nunca cometeu um erro, nunca tentou nada novo”. A conta das citações a Einstein exclui as menções ao hospital que leva o nome do físico. 

10. Frantz Fanon (1925-1961) – citado em 85 teses  
Nascido em Martinica, uma colônia francesa, ele era um radical marxista cuja obra lidou sobretudo com o colonialismo e o racismo. Fanon tem se tornado popular nas Ciências Sociais nos últimos anos. Mas a influência dele vai além. Em uma dissertação de mestrado em Química, ele é citado como o autor de uma frase que ecoa Karl Marx: “O que importa não é conhecer o mundo, mas mudá-lo.”

Especialistas analisam domínio da esquerda 

A presença de autores de esquerda no pódio dos autores mais citados não surpreende João Batista de Oliveira, doutor em Pesquisa Educacional e presidente do Instituto IDados  

Com base nos 50 nomes mais citados compilada pela Gazeta do Povo, ele fez uma estimativa apontando que os autores de esquerda são aproximadamente 60% da lista. Do grupo restante, a maioria são autores clássicos ou neutros, e uma pequena fração pode ser classificada como estando à direita politicamente. 

O especialista lembra que o volume de citações é mais útil para identificar os autores mais influentes do que para avaliar como essas referências são usadas pelos acadêmicos. “O fato desses autores serem citados não significa que são lidos ou compreendidos – mas certamente constitui os marcos de referência do que se ensina nas universidades brasileiras”, diz Batista —um crítico de Paulo Freire e do modelo educacional brasileiro. 

Já para Ronai Rocha, professor de Filosofia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), os números de Paulo Freire — o primeiro colocado na lista — não necessariamente indicam que ele é considerado um autor fundamental.  

“Quanto à influência de Paulo Freire, penso que ela existe mais como um emblema do que como uma influência real. O cotidiano pedagógico vem sendo ocupado por outras tendências. Freire segue sendo citado, mas opera muito mais como uma espécie de autoajuda pedagógica do que como um autor de conceitos operacionais”, diz Rocha, que foi ex-pró-reitor de graduação da UFSM e está prestes a lançar um livro sobre os problemas da educação brasileira. 

Rocha também diz que, embora a atmosfera da universidade brasileira tenda à esquerda, o cenário varia de acordo com o departamento e a instituição. “Em décadas de existência, o meu Departamento de Filosofia, da UFSM, na pós-graduação e na pesquisa, nunca teve teses nessa “tendência”. Mas não posso dizer o mesmo de departamentos vizinhos, nas áreas de ciências sociais e pedagogia. O fenômeno é localizado e tem explicações. E, no meu juízo, a tendência tem se estabilizado, se não diminuído em algumas instituições”, afirma. 

Veja a lista dos 50 autores mais citados  

Colocação – nome – Citações 

  • 1. Paulo Freire – 278
  • 2. Michel Foucault – 268
  • 3. Karl Marx – 245
  • 4. Pierre Bourdieu – 160
  • 5. Aristóteles – 131
  • 6. Sigmund Freud – 105
  • 7. Maria Cecília de Souza Minayo – 98
  • 8. Platão – 93
  • 9. Albert Einstein – 91
  • 10. Frantz Fanon – 85
  • 11. Santo Agostinho – 84
  • 11. Machado de Assis – 84
  • 13. Hannah Arendt – 82
  • 14. Conceição Evaristo – 80
  • 15. Walter Benjamin – 79
  • 15. Gilles Deleuze – 79
  • 17. Andrey Kolmogorov – 77
  • 18. Laurence Bardin – 75
  • 19. Milton Santos – 74
  • 20. Lélia Gonzalez – 73
  • 21. Lev Vygotsky – 71
  • 22. Max Weber – 70
  • 22. Jean Piaget – 70
  • 22. Clarice Lispector – 70
  • 25. Ludwig Boltzmann – 69
  • 25. Dermeval Saviani – 69
  • 27. Leonhard Euler – 65
  • 27. Gilberto Freyre – 65
  • 29. Judith Butler – 63
  • 30. Simone de Beauvoir – 62
  • 30. Boaventura Sousa Santos – 62
  • 32. Immanuel Kant – 61
  • 33. Darcy Ribeiro – 60
  • 34. Stuart Hall – 58
  • 34. Florestan Fernandes – 58
  • 36. Mikhail Bakhtin – 56
  • 37. John W. Creswell – 55
  • 38. Zygmunt Bauman – 54
  • 39. Georg Friedrich Hegel – 53
  • 39. Carolina Maria de Jesus – 53
  • 41. Rui Barbosa – 52
  • 41. René Descartes – 52
  • 41. Aníbal Quijano – 52
  • 44. Friedrich Engels – 51
  • 45. Jean-Jacques Rousseau – 50
  • 45. Émile Durkheim – 50
  • 47. Sueli Carneiro – 48
  • 47. Antonio Gramsci – 48
  • 47. Angela Davis – 48
  • 50. Félix Guattari – 47

noticia por : Gazeta do Povo

16 de maio de 2025 - 6:20

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