20 de maio de 2025 - 17:46

A prática do jiu-jítsu me torna um pastor melhor

No início do mês, o sociólogo Diogo Silva Corrêa perguntou nesta Folha se é possível um progressista gostar de MMA, UFC e esportes de combate. Identifiquei-me com o artigo porque ouço com frequência a pergunta: “Você é pastor e faixa preta de jiu-jítsu?”

A surpresa de quem pergunta tem a ver com o que Corrêa explicou: muitas pessoas confundem luta com violência. Seguindo essa lógica, um cristão, especialmente um pastor, deveria ensinar a paz —e não dar o “mau exemplo” de praticar e promover uma arte marcial.

O fato de eu ter escolhido o jiu-jítsu não ajuda, por causa do estigma associado aos chamados pitboys (uma referência aos cães da raça pitbull). Nos anos 1990, eram jovens praticantes que apareciam em notícias por provocar brigas em boates no Rio.

Apesar de ter presenciado alguns desses episódios envolvendo pitboys, comecei a praticar jiu-jítsu pelo motivo oposto. Pratico há quase duas décadas e, pela minha experiência, os que usam o esporte como pretexto para violência são minoria. A maioria dos jovens que praticam artes marciais cultiva disciplina e autocontrole.

Aprendi isso com Fabio Gurgel, fundador da Alliance Jiu-Jítsu, faixa coral e uma das figuras mais influentes do esporte. Ele defende que a arte marcial dissipa a violência, em vez de promovê-la. Ensina que a violência, muitas vezes, nasce da insegurança. E que o aperfeiçoamento na luta reduz a necessidade de provar algo pela força. Quem confia em si mesmo, geralmente, escolhe não agir com agressividade.

Foi isso que me encantou na chamada “arte suave”. Ao contrário de uma briga, marcada por impulsos e descontrole, a luta exige estratégia, respeito às regras e, muitas vezes, aceitação da derrota. Sempre enxerguei nisso uma afinidade com os valores que aprendi na fé cristã desde a infância.

Não por acaso, a metáfora da vida como uma batalha é recorrente nos púlpitos das igrejas. Encarar a existência como uma luta é reconhecer que há embates legítimos, que exigem preparo, discernimento e resistência. Assim como no tatame, viver pela fé demanda inteligência para agir, compromisso com limites éticos e humildade para aceitar derrotas sem perder a dignidade.

Na igreja onde sou pastor, por alguns anos mantivemos um projeto que oferecia aulas de jiu-jítsu para adolescentes acolhidos por abrigos da prefeitura. A ideia não era fazer proselitismo, mas proporcionar, por meio do esporte, noções de disciplina, respeito, humildade e perseverança —virtudes ensinadas tanto na ética religiosa quanto nas academias de luta.

Esses e outros aprendizados não servem apenas para conter um ímpeto juvenil de brigar na rua. Autocontrole é o que nos ajuda a evitar respostas precipitadas e comportamentos impulsivos —coisas a que todos estamos sujeitos, seja no trabalho, em casa, entre amigos ou em qualquer outro contexto da vida.

Nesse sentido, a prática das artes marciais pode ser vista como um exercício de civilidade. Longe de incentivar a violência, ela canaliza energia —inclusive o instinto agressivo— para formas ritualizadas e reguladas, nas quais o respeito pelo outro é requisito, não opção.

A luta, assim compreendida, não nos torna mais brutos, mas mais conscientes do que carregamos em nós —inclusive da responsabilidade de não usar a força quando o silêncio ou o recuo são mais justos. Por isso, ao contrário do que parece, praticar o jiu-jítsu me torna um pastor melhor, na mesma medida em que o cristianismo me faz um atleta mais competente.

noticia por : UOL

20 de maio de 2025 - 17:46

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