Sobre uma antiga folha de papel, 16 navios da Companhia Geral de Comércio, criada por Portugal, avançam pelo mar. A frota completa deixara o país em outubro de 1653, com mais de 60 embarcações.
Em sua direção, assentamentos e fortalezas holandesas aguardam a chegada do inimigo. Elas defendem a Cidade Maurícia, área antiga do período do Brasil holandês que ocupou parte do Recife. Ao redor, trincheiras e acampamentos portugueses anunciam a derrota que estaria por vir.
Adquirido pelo Instituto Flávia Abubakir em 2023, este último desenho sobre a expulsão dos holandeses e a retomada do Recife teve sua autoria enfim confirmada. A pesquisa foi feita pelos historiadores Bruno Ferreira Miranda, de Pernambuco, e Pablo Iglesias Magalhães, da Bahia.
O documento se destaca pela clareza visual, com legendas que permitem identificar facilmente os seus elementos, e foi feito pelo cartógrafo João Teixeira Albernaz 2º. Neto de João Teixeira Albernaz, ele levou adiante o sobrenome lendário de sua família ao produzir uma série de registros e deixar quatro atlas, incluindo os do Brasil e da África.
Especialista em Brasil holandês, Magalhães conta que se uniu a Miranda para uma investigação sem pistas iniciais. A dupla só sabia se tratar de uma peça importante e que o Brasil era ali representado.
“Sabíamos que uma imagem voltada aos holandeses vinha sendo procurada desde o século 19. Começamos a pesquisa pelos engenheiros militares que estiveram no cerco do Recife. Descobrimos muitas coisas, mas ainda não havíamos achado o nosso cara. Foi aí que percebemos que a caligrafia era idêntica a de Albernaz 2º e que o mapa reproduzia um erro cartografado por seu avô”, afirma o historiador.
Ele diz que a cartografia pode ser tida como mecanismo de poder. Os detalhes do mapa, retratado em perspectiva zenital —visão aérea que facilita a identificação de arredores e registra as mobilizações do contexto com precisão—, o colocam como importante fonte histórica para os avanços da armada portuguesa.
“Esse processo de disputa territorial entre potências europeias sempre esteve acompanhado de batalhas por informação. A família Albernaz acumulava esse conhecimento desde o século 16, e a cartografia foi passada de geração para geração. Tudo isso reforça a importância deste mapa”, explica Magalhães.
O historiador conta que o documento chegou até a França, numa época em que a nação tinha grande interesse em conquistar o Brasil. “A clareza de uma fonte como esta não serve apenas ao entendimento dos que tiveram acesso a elas, mas também já auxiliou estratégias militares.”
Magalhães cita outro mapa identificado recentemente pelo instituto. Produzido em 1624, ele retrata Salvador e foi feito por um engenheiro holandês em decorrência da invasão à Bahia.
“Com os dois, temos o primeiro e o último desenho que representa a história dos holandeses no Brasil. O detalhismo é importante não só para historiadores, mas para todos que estudam esses dois espaços urbanos e as suas origens.”
A digitalização do desenho está disponível no site do Instituto Flávia Abubakir e os dois historiadores preparam um estudo que irá complementar o documento histórico.
noticia por : UOL