O leitor abre o aplicativo ou o site da Gazeta do Povo e lê que o STF inocentou o ex-presidente Jair Bolsonaro e todos os outros acusados por tentativa de golpe de Estado na Ação Penal 2668 (é macaco na cabeça!). Seus olhos se contraem. Tem algo de errado ai. Não pode ser. Ou será que acordei num outro país, num outro tempo, numa outra realidade? Ele (você) continua lendo.
E aqui, neste segundo parágrafo, ele vai encontrar a informação de que os ministros do STF perceberam as contradições na delação de Mauro Cid, reconheceram a fragilidade das provas e chegaram à conclusão óbvia de que Jair Bolsonaro e os demais réus podiam até querer, desejar, aventar a hipótese de um golpe. O que não configura crime.
“Um negócio assim, sabe, que vem lá do fundo”
Neste ponto, o leitor franze a testa, com raiva do autor. Como assim “podiam até querer”? Para ele, pouco afeito às sutilezas da alma humana, e desconfiado até da própria sombra, talvez haja uma mensagem subliminar aí. Mas não há e de alguma forma a raiva se dissipa e dá lugar ao espanto. Quer dizer que os ministros do STF ainda são homens (e uma mulher) que, acima de quaisquer interesses mesquinhos, continuam em busca da verdade?
Sim, continuará dizendo o texto, informando que, em seu voto, escrito sem o uso de CAIXA ALTA e !!!!, o ministro Alexandre de Moraes até pediu desculpas aos acusados pela tal de tentativa de golpe. Disse que deveria ter se considerado impedido, que foi vergonhoso aquele momento em que fez referência a si mesmo como vítima da trama golpista, e que agiu movido por “um negócio assim, sabe, que vem lá do fundo” e não é racional, está longe de ser racional, vish. Ao se deparar com essa linguagem coloquial, o leitor dá uma risadinha.
Não contavam com a minha astúcia
Porque ele percebe que algo de estranho está estranho, como diria o Chaves. E está mesmo, porque em seguida o autor dá uma exageradinha ao escrever que “a Primeira Turma também decidiu arquivar todos os inquéritos-do-fim-do-mundo. Acabou a censura. Não tem mais perseguição política. Exilados receberão salvo-conduto para voltar ao Brasil. Os presos do 8/1 serão soltos, anistiados e indenizados com dinheiro do Fundo Partidário. E, já que estavam nessa, digamos, empolgação constitucional, os ministros do STF decidiram revogar a lei antipiada e esquecer aquela coisa doida de regular as redes sociais”.
O leitor fecha os olhos. Tão bom se fosse verdade. Mas está no jornal. Na Gazeta do Povo! Mas não é verdade (nem fake news, hein!). Mas tão bom se fosse. Mas está. Mas não é. Mas… O leitor fica confuso. A realidade lhe diz uma coisa e o texto, outra completamente diferente. E em algum lugar desse metauniverso o autor sorri, porque era isso mesmo o que ele queria: confrontar a realidade e o desejo do leitor, que também é a realidade e o desejo dele, autor. Não contavam com a minha astúcia!
Epílogo
Até que o leitor chega ao último parágrafo. Ele bufa. Se sente enganado. Não percebe que, por um instantezinho, ficou feliz só de imaginar o registro histórico do desfecho com o qual ele sonha para esse julgamento aí da, entre muitas aspas, tentativa de golpe. E, xi, lá vai ele correndo me xingar. Não, não, não. Paraparapara! Pô, não me xinga, não, cara! Para. Por um segundinho. Isso. Respira. Agora pensa. Isso. Assim. Calma. Viu? Eu sabia que você ia acabar entendendo.
noticia por : Gazeta do Povo